Taió. Município com pouco mais de 18 mil habitantes encravado no Alto Vale do Itajaí. Colonizado inicialmente por alemães e, depois, também por italianos. De clima úmido e com alto índice de pluviosidade, a cidade, como muitas outras desse vale, cresceu à beira do rio e há algum tempo sofre periodicamente com as cheias. Quem visita a localidade depois de uma enchente, como a que ocorreu há poucos dias, pensa que vai encontrar um povoado devastado e amargurado pela miséria causada pela invasão das águas. Ledo engano. Longe da cultura açoriana, as coisas são diferentes.
A enchente desse ano teve seu ápice nos dias 23 e 24 de outubro. O nível da água do rio subiu mais de dez metros e atingiu a região central da cidade. A rua principal ficou submersa sob uma coluna de água de mais de um metro de altura em alguns pontos. As residências e os estabelecimentos comerciais foram invadidos pela correnteza. É fácil imaginar o rastro de destruição causado pela inundação, que espalhou pelas ruas e casas sujeira, dejetos, lama e lixo. O difícil é imaginar como, passado um par de dias, os vestígios dessa catástrofe já não existem mais. Mas é exatamente assim nesse pequeno município. Passeando-se pelo centro da cidade, o máximo que se observa são algumas marcas da água em alguns muros. Nos estabelecimentos comerciais atingidos, é difícil acreditar que houve mesmo uma inundação. As vitrines e bancadas estão expostas como se nada tivesse acontecido. No hotel, questiono o proprietário se entrou água. Ele aponta para o topo do muro, mais ou menos um metro de altura, indicando ser este o nível da inundação. Na recepção e no saguão, nenhum vestígio do desastre. Tudo limpo, impecável! Em uma padaria, pergunto para a proprietária sobre os prejuízos. Ela afirma que apenas o motor de uma máquina estragou. Como conseguiu preservar tudo, pergunto curioso. Ela diz que todo mundo na cidade foi alertado pela defesa civil sobre a elevação do nível do rio. Então, todos tiveram tempo para se preparar. Só teve prejuízo quem foi preguiçoso e não quis ter o trabalho de salvaguardar os seus bens, diz ela. Pelo visto, trabalho, por aqui, é algo que definitivamente não assusta o povo. Segundo a associação de empresários, prejuízo mesmo foi só a queda no faturamento do comércio, porque as portas ficaram fechadas durante os dias da cheia, diz a matéria publicada no jornal local. Fora isso, apenas uma ou outra vidraça quebrada.
Reclamação? Só de São Pedro. Ninguém por estas bandas culpa a prefeitura ou o estado pelas enchentes. Claro que poderiam ser feitas outras obras para controlar as cheias. Mas o povo daqui não espera uma salvação do governo. Uma vez dado o aviso pela defesa civil, cada um se preocupa em proteger a si próprio e ao seu patrimônio. E, depois da cheia, cada um cuida da limpeza da sua propriedade, enquanto a prefeitura cuida das ruas e dos logradouros públicos. No universo influenciado pela cultura lusitana, há quem prefira deixar os seus bens serem levados pela enchente para depois engrossar a fila daqueles que aguardam um novo programa do governo para adquirir móveis novos ou reformar a casa atingida. Já entre alemães e italianos, a impressão que se tem é que mendigar recursos públicos é uma humilhação indigna para quem tem força e saúde para trabalhar.
Boaventura de Sousa Santos costumava dizer que Portugal e Espanha são os primos pobres da Europa. Observando-se mais de perto as culturas alemã e italiana dá para entender porque é assim.