Foi enterrada ontem
a mulher que, no último sábado, foi espancada por populares no Guarujá, litoral
de São Paulo, por ser suspeita de sequestrar crianças e praticar rituais de
magia negra. Na páscoa, um casal de turistas, que havia pichado uma pedra em uma
praia também no Guarujá, teve o corpo inteiro pichado por banhistas revoltados
com a ação dos vândalos contra a natureza. Igualmente, larápios têm sido
amarrados a postes para execração pública.
Parece que fazer
justiça com as próprias mãos caiu no gosto do povo brasileiro. A justificativa
para a ação dos populares teria origem na sensação de impunidade que permeia a
sociedade decorrente da incapacidade de o Estado investigar, processar e punir os
transgressores da lei. Esse fato é inegável. Todavia, a pretensão de cada um do
povo assumir as funções do Estado não resolve o problema. E aqui não se está
condenando aquele que, diante de uma agressão, reage imediatamente em legítima
defesa. Essa defesa, como a expressão sugere, é legítima. O problema é quando
qualquer pessoa resolve fazer as vezes de delegado, de promotor e de juiz ao
mesmo tempo para aplicar a lei ao seu bel prazer e ao melhor estilo “olho por
olho, dente por dente”.
Essa atitude selvagem
de fazer justiça com as próprias mãos simboliza o retorno aos tempos bárbaros. E
vejam até onde pode nos levar a lógica desses justiceiros. A mulher linchada no
Guarujá era acusada de sequestrar crianças, um crime tipificado no código
penal. Todos os que participaram do espancamento são, em tese, suspeitos da
prática do crime de homicídio ou, no mínimo, lesão corporal seguida de morte, ambos
crimes também tipificados no código penal. Logo, os familiares e amigos da
vítima, convencidos da sua inocência, poderiam também fazer justiça com as
próprias mãos submetendo os algozes ao castigo que melhor lhes aprouver. E,
depois, aqueles que achassem esse castigo exagerado ou injusto, poderiam ficar indignados
e revidar aplicando outro castigo nos novos suspeitos... Fácil perceber a bola
de neve se formando. Pelo andar da carruagem, em breve quem estacionar em local
proibido corre o risco de levar uns bons sopapos dos novos paladinos da
justiça.
O mais triste de
tudo é observar que muitos desses justiceiros devem ser aquele típico brasileiro
que ostenta orgulhosamente a malandragem como uma virtude. O famigerado “jeitinho
brasileiro” é apenas um eufemismo para uma flagrante transgressão da lei e da
ordem. Se bem pensado, um pouco da ineficiência do Estado se deve justamente a
esse estúpido hábito do brasileiro de simplesmente não respeitar regras
elementares de convivência social, já que é praticamente impossível reprimir
tantas violações cotidianas da lei. Não duvido que, se fosse aplicada a lei a
ferro e fogo, haveria mais brasileiros presos do que soltos...
A impunidade incomoda
a cidadão de bem. A ineficiência frustra a expectativa de quem clama por
justiça. Ao invés de empregar a energia que emerge desse incômodo e dessa frustração
para fazer justiça com as próprias mãos, cada potencial justiceiro deveria canalizar
essa energia para uma reflexão individual, a fim de avaliar o quanto ele
próprio, com seu jeitinho, contribui para esse estado de coisas e o quanto ele
pode efetivamente colaborar com Estado para a construção de uma sociedade mais
ordeira e harmônica.
Leandro Govinda
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