Os jogos da Copa do Mundo não têm
sido marcados apenas pelos gols e pelas belas jogadas dos craques do futebol,
mas também pela difusão em escala planetária do famigerado jeitinho brasileiro.
Isso se deu por ação dos falsos cadeirantes que, tão logo se acomodaram em seus
assentos reservados, “recuperaram” o movimento das pernas e começaram a pular e
vibrar efusivamente com o resto da torcida. O flagrante dessas curas
extraordinárias, que já são chamadas de “milagres da copa”, foi filmado e
postado imediatamente nas redes sociais. Os estrangeiros ficaram surpresos e
revoltados, o que é compreensível, já que decerto não estão acostumados com a malandragem
nacional. O que não compreendo é a indignação dos nacionais. Explico.
O brasileiro já devia estar
acostumado com milagres dessa natureza. Os milagreiros destas terras
tupiniquins se revelam muito cedo, já na tenra idade, quando, na escola,
reúnem-se em grupos para fazerem trabalhos de aula. É comum observar apenas um
colega se empenhando na realização da tarefa. Porém, inexplicavelmente aparece o
nome de todos na capa do trabalho! Vai ver aqueles que aparentemente não
fizeram nada, na verdade, transferiram seus conhecimentos através de algum
processo telepático invisível para os seres humanos comuns. Um milagre,
naturalmente! Na atualidade, com a modernização dos recursos tecnológicos, também
os trabalhos individuais da escola ou da faculdade surgem prontos
misteriosamente na tela do computador depois de alguns cliques no Google. É,
sem dúvida, um milagre cibernético! Nas salas de cinemas e teatros não se vê
cadeirantes recuperando os movimentos das pernas, mas é incrível como há
pessoas pagando meia entrada como estudantes, mesmo não o sendo. Quando menos
se espera, essas pessoas sacam de suas bolsas e carteiras uma identidade
estudantil. Novamente, só podemos estar diante de um milagre! E o que se dirá daqueles
que, apesar de estarem trabalhando, continuam recebendo o seguro desemprego, benefício
destinado a amparar os desempregados? É preciso ter fé, muita fé, para fazer
brotar esse benefício mensalmente na conta desses crentes. Aliás, certamente é
essa fé que anima aqueles que, mesmo gozando de uma perfeita saúde, ficam anos
a fio encostados no INSS.
Os exemplos poderiam ser
multiplicados, mas bastam esses para demonstrar que os milagres no Brasil acontecem
todos os dias aos milhares, quiçá milhões. É o jeitinho brasileiro elevado à
condição divina! Aposto como cada um dos estimados leitores, assim como eu,
conhece alguém bem próximo que já deu um jeitinho para resolver algum
infortúnio ou levar vantagem. No entanto, ninguém fica surpreso, ninguém fica
revoltado, ninguém faz protesto contra essas práticas. Ao contrário, o brasileiro
até se orgulha dessa malandragem. Essa praga do “jeitinho” está tão arraigada
na cultura nacional que cada brasileiro se sente um pouco autorizado a dar um
“jeitinho” quando está em apuros. Só que o “jeitinho”, se bem pensado, nada
mais é do abrir uma exceção a uma regra. E se todos dão um jeitinho, então, no
final das contas, a regra vira exceção, e a exceção vira regra. E é essa
permissividade que acaba por legitimar e estimular o descumprimento generalizado
de regras elementares de convivência, resultando nessa esculhambação social,
onde pessoas saudáveis têm liberdade para adquirirem ingressos destinados a
cadeirantes.
Por isso, não adianta se revoltar
contra uma atitude reprovável só quando isso repercute nas redes sociais. Para
se construir uma sociedade verdadeiramente civilizada, é imperioso ser intolerantes
com o “jeitinho” sempre e em qualquer circunstância. Não tem desculpa, não tem
exceção. Ser intolerante, no caso, não significa pregar o malandro na cruz. Talvez
só desprezá-lo em razão da sua atitude cretina já seria suficiente para, quem
sabe, fazê-lo refletir e mudar o seu comportamento. E mais do que condenar o
outro, é preciso que cada cidadão pare de dar jeitinho, interrompendo esse
ciclo vicioso. Do contrário, estaremos condenados a testemunhar mais e mais
milagres todos os dias.
Leandro Govinda
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