quarta-feira, 20 de agosto de 2014

A difícil arte de viver em sociedade



Na última semana, fui acometido por uma forte gripe e, por razões médicas, precisei repousar alguns dias. Isso me fez ficar em casa mais tempo do que gostaria, mas a experiência serviu para avaliar o quão difícil é viver em sociedade, especialmente no Brasil.

Durante esses dias, passei a maior parte do tempo na cama para tentar repousar. Doce ilusão. O comportamento de alguns vizinhos simplesmente fez a minha gripe parecer o menor dos males. Desde as 6h da manhã até quase meia noite, era possível acompanhar a movimentação intensa no interior dos apartamentos. Andar com sapatos de solado de madeira, arrastar móveis, bater com força portas e gavetas, derrubar objetos no chão são só alguns exemplos dos maus hábitos que me atormentaram durante o “repouso”. Incomodado com aquela situação, saí de casa e bati na porta de alguns vizinhos para tentar descobrir o responsável pelos ruídos. Mas ninguém admitiu fazer tanto barulho. Não creio que os vizinhos sejam dissimulados. Eles de fato estão convencidos de que a agitação diária deles não incomoda ninguém. E isso é o mais triste.

O brasileiro gosta de alardear que é solidário, que tem compaixão, que é fraterno e blábláblá... Isso é verdade quando se está diante de uma tragédia, uma calamidade pública ou uma catástrofe natural. Daí o brasileiro oferece abrigo, vira voluntário, ajuda desconhecidos, faz correntes, arrecada fundos e mantimentos. Mas quando tudo está absolutamente normal o brasileiro alimenta um sinistro egoísmo no sentido de não pensar no impacto dos seus atos na vida das outras pessoas. E, às vezes sem perceber, ele transforma a vida do outro em um verdadeiro inferno. Assim, no dia a dia, o brasileiro não se preocupa se a árvore do seu pátio está sujando a calçada do vizinho; ou se o barulho da sua moto está perturbando as pessoas na rua; ou se o seu cachorro está sujando a praia. Nada disso é objeto de reflexão do brasileiro. Importa para ele a sombra da árvore, o prazer de dirigir a moto e a felicidade do seu cãozinho. Isso é importante para ele e não o bem estar dos seus concidadãos. O exemplo do cigarro é emblemático: precisou virar lei a proibição de fumar em recintos fechados, porque espontaneamente poucos fumantes tinham a decência de não fumar ao lado de pessoas não-fumantes. Precisava uma lei para isso? Não bastaria o bom senso para perceber o incômodo que a fumaça gera para a pessoa ao lado?

O brasileiro é tão “umbiguista” que até cunhou um ditado para salvá-lo de qualquer constrangimento nessas horas: “os incomodados que se mudem”. Quer dizer, o sujeito faz o que quiser e todo o resto que se exploda. Não é a toa que as delegacias registram milhares de boletins de ocorrência todos os dias sobre as famigeradas “brigas de vizinhos”. Ocorre que a vida em sociedade exige uma postura menos individualista e mais coletiva. Só faz sentido viver em sociedade se cada um pensar além do seu umbigo. Aquela irmandade que aflora em momento de crise deveria pautar a conduta de cada um de nós no nosso dia a dia através de gestos simples de tolerância, de respeito, de cordialidade e de gentileza.

Então, fica aqui uma proposta: reservar alguns minutos do dia para pensar nas próprias atitudes. Pensar nos incômodos, transtornos ou distúrbios que eventualmente são causados para os vizinhos, colegas de trabalho ou mesmo um desconhecido. Refletir se um determinado comportamento viola uma regra de convivência ou compromete a harmonia do ambiente. Tentar imaginar o que aconteceria se todo mundo se comportasse da mesma maneira. Colocar-se na posição do outro e avaliar se gostaríamos que alguém agisse do mesmo modo. Essas reflexões podem nos tornar pessoas melhores e mais sociáveis.

Viver em sociedade não é fácil, mas fica menos difícil quando as pessoas se ajudam ou, pelo menos, não se atrapalham.

Leandro Govinda

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