quinta-feira, 16 de julho de 2015
1808: passado ou presente?
O signatário leu recentemente a obra "1808" do historiador Laurentino Gomes. Não se trata de um lançamento, porquanto a obra foi publicada em 2008. Essa é a primeira de uma série de três estudos sobre os principais acontecimentos que marcaram passagens memoráveis da história do Brasil (depois do primeiro livro, o autor lançou 1822 e 1889, centrados na independência e na proclamação da República, respectivamente). Em 1808, o autor cuida da transferência da corte Portuguesa para o Brasil, ocorrida justamente nesse ano. A par do formidável trabalho de pesquisa, chama a atenção a incrível atualidade de alguns aspectos da política, da economia, da cultura, do comportamento e até do humor nacionais. Uma leitura atenta da obra leva o leitor à conclusão de que os maus hábitos hoje cultivados pelos brasileiros são mais antigos do que a salve rainha e, por isso, tão difíceis de serem mudados, o que explica e muito o nosso estágio de desenvolvimento.
O autor narra, por exemplo, que "o Brasil do começo do século XIX era um país perigosamente indomável, onde brancos, negros, mestiços, índios, senhores e escravos conviviam de forma precária, sem um projeto definido de sociedade ou nação". É impressionante como a sentença é atual, inclusive quando fala em "senhores e escravos", já que, em muitos rincões do país, a escravidão infelizmente ainda é uma realidade, um pouco mais disfarçada, mas ainda existente. Igualmente, passados mais de 200 anos, os sucessivos governos, em todas as esferas da federação, foram incapazes de construir um projeto de sociedade e de nação.
Os relatos dos viajantes há dois séculos retratam uma “colônia preguiçosa e descuidada, sem vocação para o trabalho, viciada por mais de três séculos de produção extrativista”. William John Burchel, botânico inglês, constatava que “aqui a natureza tem feito muita coisa – o homem, nada... os homens continuam a vegetar na escuridão da ignorância e na extrema pobreza, consequência apenas da preguiça”. Como é antiga, pois, a malandragem brasileira!
Essa preguiça e essa aversão ao trabalho sempre foi estimulada. Segundo Laurentino, uma das armas que D. João utilizou para conter os ânimos daqueles que se sentiam invadidos pela corte foi usar a “imagem do rei benigno, que tudo provê e de todos cuida e protege”. A historiadora Maria Odila Leita da Silva Dias, citada pelo autor, pontua que “a corte e o poder real fascinavam-nos como uma verdadeira atração messiânica: era a esperança de socorro de um pai que vem curar as feridas dos filhos”. Figuras como Getúlio Vargas, pai dos pobres, e Lula desempenharam exatamente esse papel de provedor e protetor. E até hoje a grande massa espera desses messias a solução para todos os seus problemas.
Já naquele tempo também o Estado era gigante e povoado de servidores públicos. Conforme o autor, "a corte portuguesa no Brasil era 10 e 15 vezes mais gorda do que a máquina burocrática americana nessa época (1800)". E, tal como hoje, esses sanguessugas "dependiam do erário real ou esperavam do príncipe regente algum benefício...". O embaixador alemão conde Von Flemming, citado na obra, notava que "nenhuma outra corte tem tantos empregados, guarda-roupas, assistentes, servos uniformizados e cocheiros". Nada mais parecido com o cabide de empregos gerado pelas superestruturas de ministérios e secretarias, nos quais se multiplicam como erva daninha os funcionários fantasmas e outros tantos parentes e amigos do rei que ocupam cargos comissionados por indicação de políticos.
A promiscuidade nas relações entre o público e o privado também não é de hoje. Segundo Laurentino, o rei D. João VI dependia das “listas ‘voluntárias’ de doações que os ricos da terra se dispunham alegremente a subscrever, em troca de favores, privilégios e honrarias”. Naquela época, os traficantes de escravos “se destacavam entre os grandes doadores, recompensados com honrarias e títulos de nobreza”. Olha aí o embrião dos esquemas de corrupção que atualmente têm contornos requintados de organização criminosa, a exemplo do mensalão e do petrolão!!!
E o que se dirá da imprensa? Há dois séculos, Hipólito José da Costa, jornalista fundador do Correio Braziliense, era um crítico do governo e defendia ideias liberais. Tanto que o seu jornal era publicado em Londres para fugir da censura local. No entanto, não resistiu aos favores do Rei e, a partir de 1812, “passou a receber uma pensão anual em troca de críticas mais amenas ao governo de D. João”. Quando se observa a fortuna empenhada para custear a propaganda oficial dos governos e das empresas estatais veiculadas em jornais, revistas e emissoras de rádio e TV, vê-se bem que a imprensa continua refém dos afagos governamentais.
Se bem pensado, ao contrário do que sustentam os esquerdistas tapados, a culpa pelo subdesenvolvimento do Brasil não é de impérios estrangeiros dominadores. Os maiores culpados são os próprios brasileiros, que há dois séculos cultivam esses hábitos indolentes e uma personalidade distorcida. São brasileiros de sangue e alma que usurpam a riqueza do país em benefício próprio. Enquanto imperar essa visão míope sobre o valor do trabalho e as funções do Estado, é provável que, daqui a dois séculos, um novo historiador escreva sobre outros fatos marcantes da história do Brasil e a sua obra retratará uma realidade tão atual no futuro quanto a de 1808 hoje.
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