Tempos atrás circulou um vídeo nas redes sociais que mostra um
policial chileno disparando contra um indivíduo dentro de um veículo à noite no
aeroporto de Santiago, porque o cidadão não respeitou uma ordem de parada e
avançou lentamente com o veículo sobre o policial. Na manhã seguinte, o
Presidente da República chilena veio a público defender a ação policial. Em seu
pronunciamento, o Presidente afirmou de forma "forte e clara":
"ninguém tem direito de resistir pela força uma detenção, um controle de
trânsito ou um controle de identidade e muito menos pretender atropelar um
policial... Chegou a hora de que todos aprendamos a respeitar as nossas
autoridades, a respeitar os nossos policiais, porque, quando eles são mais
respeitados e mais protegidos, cumprem com maior eficácia seu trabalho de
proteger a todos os cidadãos do nosso país". No mesmo sentido, foi a
manifestação do congressista chileno Alessandri, segundo o qual, "não há
meias tintas, ou se está a favor da autoridade, da ordem e do respeito ou se
está contra... se nosso país tirar aos poucos a autoridade do policial, depois
não poderemos nos queixar de que ninguém respeita nada e não se pode mais
caminhar tranquilos pelas ruas".
Ah...que inveja dos hermanos! No Brasil, enquanto as autoridades
brasileiras continuam discutindo se o policial pode ou não atirar contra
bandidos, mais quatro militares, dessa vez das forças de intervenção federal no
Rio de Janeiro, morreram, três em operação e o quarto em uma emboscada em um
bar.
Ao que parece, essas pessoas são incapazes de compreender a extensão
dos conflitos que envolvem as organizações criminosas. Não se trata de
violência pura e simples. Vive-se nas metrópoles brasileiras uma guerra civil
não declarada contra o poder de polícia que ameaça a própria soberania do
estado. As favelas transformaram-se em territórios ocupados por esses
bandidos nos quais eles reinam como soberanos absolutos, porque fixam as
suas leis, cobram os seus tributos, organizam as suas milícias, distribuem
serviços públicos, controlam a entrada e a saída das pessoas, estabelecem os
seus tribunais de julgamento, aterrorizam e ameaçam a população sob o seu jugo,
tudo como se fosse uma nação independente, um país dentro do país. O policial
que sobe o morro para combater o crime, em especial o tráfico de drogas, entra
em uma batalha e coloca em risco a própria vida para restabelecer a paz e a
ordem nessas comunidades dominadas por facções criminosas.
Os chefões do tráfico já perceberam que estão em guerra. Por isso, têm a sua
disposição um exército de bandidos rigidamente hierarquizados, cegamente
obedientes aos altos comandantes e armados com fuzis e metralhadoras, prontos
para dispararem contra qualquer um que se coloque contra os seus interesses.
O policial que se depara com um bandido armado tem sim licença
para atirar, pois está em uma clara situação de exercício da sua legítima
defesa, entendida como o uso moderado dos meios necessários para repelir
injusta agressão, atual ou iminente. Ora, iminente é aquilo que está para
acontecer. E o delinquente que porta uma arma de fogo representa sem dúvida uma
iminente e injusta agressão. Ou alguém acha que esse marginal porta um fuzil para
caçar passarinhos? Claro que não. O bandido usa a arma de fogo para matar gente,
portanto bandido armado é uma ameaça constante, perene. Por isso, é um
disparate afirmar que o policial tem que esperar o bandido atirar primeiro para
só então reagir. Se o bandido atira, a agressão passa a ser atual, quiçá letal,
e não mais iminente. Só que a legítima defesa não é apenas contra agressão
atual; a agressão iminente já justifica a reação defensiva.
Então, por que diabos o policial tem que esperar bovinamente ser alvejado por um
tiro para só então defender a própria vida? Um cristão lançado aos leões no
Coliseu antigo teria mais chances de sobreviver.
A ameaça do motorista chileno era infinitamente menor do que a
ameaça dos narcotraficantes dos morros cariocas. As autoridades chilenas
defenderam a ação do policial, porque não há mesmo “meias tintas”: ou se
respeita a autoridade, ou tudo está perdido. É verdade que a polícia brasileira
é a que mais mata no mundo, mas não é menos verdade que os policiais
brasileiros são os que mais morrem em combate também. Nessas condições, coibir
o exercício da legítima defesa pelo policial, mais do que prestar homenagem ao
bandido em detrimento da autoridade do estado, significa lançá-lo covardemente
em missões suicidas.