Os integrantes da
ocupação Amarildo sofreram um revés no último dia 21 de abril. Recusando a
oferta do INCRA de assentá-los em uma área em Canoinhas, no planalto norte
catarinense (decerto porque é muito longe da praia), alguns integrantes do
movimento, muito apegados à brisa do mar, resolveram tentar invadir outra área na
comunidade do Rio Vermelho. Para surpresa deles (e de muita gente), as pessoas
dessa comunidade resolveram dar um basta nesse abuso e colocar ordem na casa.
Ao contrário do que
foi noticiado pela imprensa, ninguém ali fez justiça com as próprias mãos. O
exercício arbitrário das próprias razões é um crime tipificado no art. 345 do
Código Penal nos seguintes termos: fazer justiça pelas próprias mãos, para
satisfazer pretensão, embora legítima, salvo
quando a lei o permite. Chamo a atenção para a parte final desse
dispositivo, porque, no caso de proteção da posse, a lei permite que o
possuidor turbado, ou esbulhado, defenda a sua posse por sua própria força,
desde que o faça imediatamente, ou seja, tão logo seja turbado ou esbulhado (para
quem sabe ler, consulte o art. 1.210, § 1º do Código Civil). É o que se chama desforço
imediato, uma espécie de legítima defesa da posse. É isso mesmo: diante de uma
invasão iminente, o possuidor de um terreno pode agir, com amparo na lei e independentemente
da qualquer intervenção do Estado, para proteger a sua posse, repelindo a
agressão injusta, inclusive com o emprego da força física, só não podendo praticar
atos além dos estritamente necessários para se manter na posse.
O proprietário do
terreno às margens da SC-401, quando percebeu a invasão do seu terreno,
preferiu recorreu ao Poder Judiciário. Deu no que deu: ao invés de uma imediata
ordem de reintegração de posse, ganhou um atestado de paciência, sendo obrigado
a “negociar” o seu direito de propriedade. A comunidade do Rio Vermelho, sabedora
do tratamento conferido pelo próprio Estado aos invasores, tratou logo de defender
o patrimônio da comunidade, invertendo a busca pela proteção estatal e forçando
os invasores a reclamarem proteção policial. Sim, porque, para sair do terreno,
os invasores ainda exigiram escolta policial.
Vejam só a que
ponto chegamos: pessoas que, em sua maioria, jamais estudaram Direito e que não
detém qualquer parcela do poder do Estado foram justamente aquelas mais empenhadas
em preservar o império da lei e restaurar a ordem. Por conta disso, agora são
acusadas de fazer justiça com as próprias mãos. Enquanto isso, os invasores, ou
seja, justamente aqueles que atentaram contra a lei e a ordem são protegidos pela
polícia. O quadro seria cômico, se não fosse trágico. Nesse contexto, nunca antes
na história desse país a canção cantada por Raul Seixas foi tão atual: “tá tudo
errado... pare o mundo que eu quero descer”.
Leandro Govinda