quarta-feira, 23 de abril de 2014

O desforço necessário do Rio Vermelho



Os integrantes da ocupação Amarildo sofreram um revés no último dia 21 de abril. Recusando a oferta do INCRA de assentá-los em uma área em Canoinhas, no planalto norte catarinense (decerto porque é muito longe da praia), alguns integrantes do movimento, muito apegados à brisa do mar, resolveram tentar invadir outra área na comunidade do Rio Vermelho. Para surpresa deles (e de muita gente), as pessoas dessa comunidade resolveram dar um basta nesse abuso e colocar ordem na casa.

Ao contrário do que foi noticiado pela imprensa, ninguém ali fez justiça com as próprias mãos. O exercício arbitrário das próprias razões é um crime tipificado no art. 345 do Código Penal nos seguintes termos: fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite. Chamo a atenção para a parte final desse dispositivo, porque, no caso de proteção da posse, a lei permite que o possuidor turbado, ou esbulhado, defenda a sua posse por sua própria força, desde que o faça imediatamente, ou seja, tão logo seja turbado ou esbulhado (para quem sabe ler, consulte o art. 1.210, § 1º do Código Civil). É o que se chama desforço imediato, uma espécie de legítima defesa da posse. É isso mesmo: diante de uma invasão iminente, o possuidor de um terreno pode agir, com amparo na lei e independentemente da qualquer intervenção do Estado, para proteger a sua posse, repelindo a agressão injusta, inclusive com o emprego da força física, só não podendo praticar atos além dos estritamente necessários para se manter na posse.

O proprietário do terreno às margens da SC-401, quando percebeu a invasão do seu terreno, preferiu recorreu ao Poder Judiciário. Deu no que deu: ao invés de uma imediata ordem de reintegração de posse, ganhou um atestado de paciência, sendo obrigado a “negociar” o seu direito de propriedade. A comunidade do Rio Vermelho, sabedora do tratamento conferido pelo próprio Estado aos invasores, tratou logo de defender o patrimônio da comunidade, invertendo a busca pela proteção estatal e forçando os invasores a reclamarem proteção policial. Sim, porque, para sair do terreno, os invasores ainda exigiram escolta policial.

Vejam só a que ponto chegamos: pessoas que, em sua maioria, jamais estudaram Direito e que não detém qualquer parcela do poder do Estado foram justamente aquelas mais empenhadas em preservar o império da lei e restaurar a ordem. Por conta disso, agora são acusadas de fazer justiça com as próprias mãos. Enquanto isso, os invasores, ou seja, justamente aqueles que atentaram contra a lei e a ordem são protegidos pela polícia. O quadro seria cômico, se não fosse trágico. Nesse contexto, nunca antes na história desse país a canção cantada por Raul Seixas foi tão atual: “tá tudo errado... pare o mundo que eu quero descer”.

Leandro Govinda

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