quarta-feira, 6 de agosto de 2014

É disso que estou falando





Desde 21/07/2014, está em operação o sistema de reconhecimento facial dos usuários de transporte coletivo de Florianópolis, capital catarinense. O sistema fotografa o cidadão que possui desconto ou tarifa social no momento em que passa na catraca. Depois, essa foto é comparada com o rosto do titular do cartão. Não sendo a mesma pessoa, o sistema bloqueia esse cartão.

Pois bem. Apenas dez dias depois de implantado esse sistema, já foram bloqueados mais de 500 cartões devido a fraudes. Na imensa maioria dos casos, os fraudadores utilizaram cartões de estudantes, mas também houve quem utilizasse cartões de idosos e deficientes. E isso que a implantação do novo sistema foi amplamente divulgada pela imprensa e pelas redes sociais. Se, com tantos avisos e alertas, mais de 500 cartões foram utilizados indevidamente, imagine-se como era antes da implantação do sistema. Não deveriam ter avisado ninguém sobre o novo sistema. Seriam tantas pessoas com os cartões bloqueados que daria para encher um estádio de futebol.

Definitivamente, não tem desculpa. Isso é corrupção, entendida essa no seu exato sentido, ou seja, a prática de um ato ilícito para obter uma vantagem indevida para si ou para outrem. Ora, quem, não sendo estudante, nem idoso, nem deficiente, utiliza o cartão de um terceiro nessas condições para se beneficiar do preço reduzido da passagem é corrupto. E aquele que deliberadamente cede o seu cartão para uso indevido de outra pessoa é corrupto também. Ou seja, além daquelas 500 pessoas que utilizaram o cartão de terceiros, há centenas desses terceiros que cederam o uso do seu cartão conscientemente. Vejam que o número de estelionatários (sim, além de corruptos, essas pessoas são, em tese, estelionatárias) pode chegar a mais de mil pessoas. É um número assombroso de malandros.

É disso que estou falando quando afirmo que a corrupção está espalhada no seio da sociedade brasileira e não apenas no meio político, como pensam alguns. Só que no dia a dia o brasileiro utiliza um eufemismo para tentar disfarçar essa corrupção: é o famigerado “jeitinho brasileiro”, do qual muitos se orgulham. O “jeitinho“ ainda é encarado como algo legal, bacana, uma malandragem sem maldade, afinal o mundo é dos espertos, daqueles que obtém vantagem em tudo, mesmo que indevida. Assim é que o brasileiro dá um jeitinho para furar uma simples fila de banco, conseguir um atestado para faltar ao trabalho, captar o sinal de TV a cabo do vizinho, pagar meia entrada no cinema ou no transporte coletivo, não ser multado pelo guarda de trânsito e por aí vai...

A diferença ética entre o brasileiro que dá jeitinho e o político corrupto é tão tênue que um acaba se identificando com o outro. No fundo, no fundo o brasileiro que pratica o jeitinho não considera a corrupção um mal em si mesmo. Para esse tipo de brasileiro, o mal está em não ser o beneficiário da corrupção... Enquanto a cultura generalizada enxergar a malandragem como uma virtude, discursar contra a corrupção é como semear no deserto.

Leandro Govinda

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