quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Os perigos da reeleição


 
A presidente Dilma Roussef foi reeleita na disputa mais acirrada desde a redemocratização do país. O resultado das urnas não significa que o Brasil está dividido entre ricos e pobres. Aliás, o país estaria muito bem obrigado se os 48% da população que votaram na oposição fossem todos ricos! Mas infelizmente isso não é verdade... O que o equilíbrio eleitoral revela é que a oposição está muito longe de ser esmagada, e o partido do poder está igualmente distante de uma hegemonia. Essa equivalência de forças, todavia, não afasta alguns riscos a que a democracia brasileira está exposta, razão pela qual as instituições republicanas devem ficar atentas aos próximos movimentos do governo.

Há mais de dois séculos, o filósofo francês Montesquieu constatou que quem tem poder, tende a abusar dele. Justamente por isso, idealizou a divisão do poder em Executivo, Legislativo e Judiciário, de modo que o detentor de um poder pudesse vigiar e coibir as arbitrariedades dos outros e vice-versa. Em reforço a esse mecanismo de freios e contrapesos, tem-se nos regimes democráticas eleições periódicas, a fim de que o povo possa, de tempos em tempos, apear do poder quem não se mostrar merecedor dele. Agora, não basta haver eleições para se garantir a democracia. Fosse assim Cuba e Venezuela seriam países democráticos, o que poucos acreditam. O ideal democrático é a antítese da perpetuidade no poder. Daí porque só há verdadeira democracia quando há alternância de pessoas e partidos no poder. Com a reeleição da presidente Dilma, o país caminha para ficar 16 anos sob o comando do mesmo partido político, com o risco desse período se estender por mais quatro anos, se o “beato” Lula resolver se candidatar em 2018. Se ganhar, serão 20 anos governados pelo mesmo grupo político. Não é pouca coisa. Para se ter uma ideia do que isso representa, basta lembrar que os militares governaram o Brasil por 21 anos (1964-1985).

Ninguém irá discutir o resultado das urnas, que é soberano. Logicamente, isso não afasta a necessidade de se apurar as denúncias de uso da máquina pública em benefício da candidatura oficial e os escândalos envolvendo empresas públicas, doleiros, partidos políticos e petróleo. Independentemente dessas apurações, o fato é que a longevidade do mesmo partido no poder deve acender o sinal amarelo nas instituições democráticas. O Ministério Público, o Poder Judiciário, os Tribunais de Contas e, em especial, a imprensa devem ficar alertas para os próximos movimentos do governo federal, a fim de combater qualquer tentativa de cerceamento das liberdades democráticas. E a sanha ditatorial já começou com a retomada do discurso a favor do controle dos meios de comunicação. Se essa discussão avançar, em seguida podem querer ressuscitar o projeto de lei da mordaça ou aquele outro que pretendia dar ao Senado o poder de suspender decisões do Supremo Tribunal Federal e por aí vai.

O Brasil não vai se transformar em uma Venezuela da noite para o dia, como temem alguns. Pelo menos não enquanto São Paulo for governado pelo partido de oposição, já que esse estado concentra 1/3 da riqueza nacional e, como se sabe, não se faz a ditadura do proletariado sem a grana da mais-valia do patrão. No entanto, a falta de renovação política deve deixar a sociedade alerta para o risco de algum retrocesso democrático. Esse é o momento de se fortalecer as instituições republicanas para blindar o país contra qualquer abuso do governo, já que essa é a tendência natural de quem se perpetua no poder.

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