O Congresso Nacional está
discutindo (uma vez mais...) a proposta de emenda constitucional para reduzir a
maioridade penal. Nesse debate, duas questões se misturam inadvertidamente e
deveriam ser destacadas, a fim de permitir uma compreensão melhor do assunto em
voga.
A primeira questão é saber se o
menor de 18 anos tem consciência potencial da ilicitude dos seus atos e, por
esse motivo, pode ser responsabilizado. Nisso consiste a imputabilidade penal:
a atribuição de responsabilidade penal para todo aquele que pratica um crime consciente
do caráter ilícito dessa conduta. Ser imputável significa, portanto, ser capaz
de receber uma determinada sanção pela prática de um delito. A Constituição
Federal, reproduzindo um dispositivo do Código Penal de 1940 (art. 27), garante
que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis (art. 228). A impressão
que se tem é que os menores, no Brasil, não podem ser responsabilizados pela
prática de atos criminosos. Trata-se de uma ideia absolutamente equivocada. O erro
é reforçado pela opção legislativa de substituir algumas expressões associadas
a bandidos por outras, digamos, politicamente corretas, na vã tentativa de
evitar que o jovem seja rotulado pela sociedade como um deliquente. Assim, o
adolescente não comete crime, mas “ato infracional”; não está sujeito à pena,
mas a “medidas socioeducativas”; não pode ser preso em flagrante, mas tão
somente “apreendido”; e não está sujeito à pena privativa de liberdade, no
máximo “internação“.
Apesar de o dispositivo
constitucional dizer que os menores são inimputáveis, a verdade é que, desde os
12 anos, o sujeito que comete um crime pode (e deve) sim ser responsabilizado e
punido por esse ato. Portanto, sob esse prisma, a primeira questão está
superada, afinal se o menor pode ser responsabilizado, inclusive com a privação
da sua liberdade, então rigorosamente ele é imputável. Isso significa que ele
tem consciência da ilicitude do seu ato e deve responder por isso. Apenas essa
punição não é a mesma aplicada aos adultos, considerando-se que o adolescente é
ainda um indivíduo em formação. Eis então a segunda questão: será que aplicar
ao adolescente as mesmas sanções previstas para os adultos diminuirá a
violência praticada pelos menores? Esse é o ponto central do debate.
A princípio, não vejo problema em
aplicar ao adolescente as sanções penais previstas para adultos. Ora, se a lei
permite que o sujeito, desde os 16 anos, trabalhe, case e vote, então parece
claro que se reconhece nele uma maturidade para responder por seus atos como um
adulto. Porém, tenho a impressão de que essa proposta não resolverá o problema da
criminalidade juvenil por duas razões tão elementares quanto óbvias.
Primeiro, porque a aplicação da
lei penal aos adultos exige a observância a um rígido, lento e tormentoso processo
penal, recheado de formalismos e recursos e sustentado por teorias mirabolantes
e fantasiosas que dificultam sobremaneira a efetiva punição do criminoso. No
Brasil, lamentavelmente, o bandido, a partir do instante em que é denunciado até
a execução da pena, se transforma, como que por um milagre, em uma "vítima
do sistema" e recebe do próprio Estado uma proteção que o torna quase
intangível aos órgãos de persecução penal. É muito mais fácil e rápido impor
uma medida socioeducativa a um adolescente do que uma pena de prisão a um
adulto. Supor que estender aos menores a legislação penal aplicável aos adultos
irá conter a violência deles é ignorar a realidade do processo penal brasileiro.
Ora, se a lei penal comum não diminui o ímpeto criminoso de adultos, por que diabos
haveria de ter esse efeito com os adolescentes?
A segunda razão é ainda mais gritante:
a violência praticada por adolescentes cresce pelo mesmo motivo que faz
aumentar a violência praticada por adultos, ou seja, a certeza da impunidade.
As sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) seriam
suficientes para combater a violência dos jovens. A propósito, essas sanções,
às vezes, podem ser até mais rigorosas. Se um adulto cometer um homicídio
simples, por exemplo, muito provavelmente será condenado à pena mínima de 6
anos de prisão, iniciando o cumprimento dessa reprimenda no regime semiaberto
(que, diga-se de passagem, só existe no papel) e, após um ano, já pode
progredir para o regime aberto (que, na prática, consiste em assinar uma ficha
de presença no Fórum). O adolescente que cometer esse mesmo delito poderá ser
internado (leia-se: privado da sua liberdade) por até 3 anos, sem progressão de
regime. Mais do que punir, as sanções previstas no ECA seriam o bastante para regenerar
o adolescente em conflito com a lei, pois há previsão de escolarização e
profissionalização compulsórias, tudo sob a devida orientação e acompanhamento
de profissionais capacitados para esse fim.
A desgraça é que até hoje,
passados mais de 20 anos desde a promulgação desse estatuto, as suas
disposições nunca saíram do papel. Na imensa maioria das cidades brasileiras, não
há programas estatais minimamente eficientes nem instituições públicas
adequadas para aplicação dessas medidas. Por isso os jovens marginais cometem
delitos sem cerimônia: sabem que, tal como os adultos, ficarão impunes, não
porque a lei os trate como irresponsáveis, mas simplesmente porque o Estado não
aplica a lei especial a eles, do mesmo modo que não aplica a lei comum aos
adultos.
Uma lei penal mais severa até
pode contribuir para diminuir a sanha de um criminoso, mas desde que seja
efetivamente aplicada. Daí porque apenas definir que os menores estarão
sujeitos à mesma lei dos adultos não trará nenhum resultado para o combate à
criminalidade juvenil, se os adolescentes continuarem convictos de que não
serão punidos. O arcabouço legislativo atualmente vigente já permite
responsabilizar os adolescentes pelos crimes que cometem. Apenas essa lei não é
aplicada, como de resto não são aplicadas outras tantas leis que vigoram no
país. Por isso, os congressistas, os órgãos de persecução penal, os defensores
dos direitos humanos e a sociedade deveriam estar mais preocupados em garantir
a efetiva aplicação das leis existentes e menos com alterações legislativas
que, no atual contexto, serão inócuas.
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