O inverno de 2013 no Brasil foi
marcado por manifestações populares, inicialmente contra o aumento das passagens
do transporte coletivo, mas logo infladas por
outras tantas bandeiras. Bradou-se pelo fim da corrupção, por mais educação, saúde
e segurança, contra a PEC da impunidade. Agora, os desdobramentos da operação Lava
Jato e as revelações feitas por réus confessos e colaboradores sobre detalhes do
esquema de desvio de recursos na Petrobrás, empresa estatal administrada pelo
Governo Federal, esgotaram a paciência do povo, que voltou às ruas às vésperas
do outono de 2015 para protestar uma vez mais, dessa vez centrado nos
escândalos de corrupção. As manifestações reuniram milhões de pessoas e
chamaram a atenção em diversos aspectos.
Primeiro, a espontaneidade da sua
organização, mediada pelas redes sociais. Incrível o poder de disseminação da
informação através da internet. Essa poderosa ferramenta parece ter livrado o
povo da dependência de partidos, sindicatos e associações para se organizar e
manifestar o seu pensamento. Aliás, por certo foi justamente o fato de não
haver envolvimento dessas agremiações que motivou muitas pessoas a aderirem às
manifestações. Essa dissociação pode ser medida pelas vaias recebidas pelo
Deputado Federal Paulinho da Força Sindical, quando tentou falar ao microfone
em um carro de som na avenida Paulista durante o protesto. Acossado pela
multidão, o deputado se viu na constrangedora obrigação de descer do veículo e vazar,
como se diz na gíria.
Outro aspecto a se destacar é o
espraiamento das manifestações em todas as regiões do país, ainda que as mais
numerosas tenham sido nas regiões sul e sudeste, onde a votação da atual
presidente nas últimas eleições não foi expressiva. Isso significa que não é só
a “elite branca do sul” que se posiciona contra o achaque dos cofres públicos
por políticos, servidores públicos e empreiteiros corruptos, como insistem os
integrantes do governo. Aqui em Florianópolis, por exemplo, a diarista do
signatário, pessoa de parcos recursos e pouca instrução, também está revoltada
com as denúncias que ouve nos noticiários, o que a levou, junto com o seu
esposo, para a rua protestar. A indignação é generalizada.
O movimento também não tem
vinculação a uma ideologia. Nas ruas estavam pessoas de esquerda, de direita,
de centro e também aquelas para quem essas expressões só têm sentido quando se
fala em orientação no espaço. Bonito ver aquela multidão vestindo roupas com
cores verde e amarela, em franca associação às cores da bandeira nacional. Isso
mostra que a preocupação dos manifestantes é uma só: defender a moralidade
pública, a retidão no trato dos negócios do Estado, enfim defender a República
do assalto que lhe é dirigido diuturnamente e sem nenhum pudor por pessoas
inescrupulosas. O receio de que as manifestações poderiam se transformar em uma
aclamação pelo retorno de uma ditadura militar não se confirmou, pois a
presença de simpatizantes dessa ideia foi tão insignificante que nem de perto
tirou o brilho das passeatas.
Finalmente, a grandeza do movimento
serviu para comprovar que o Brasil ainda está muito longe de ser transformar em
uma Venezuela, uma Cuba ou uma Bolívia. Para além da força de instituições como
o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Imprensa, o país ainda é formado
por um povo que, como se viu, não é tão alienado quanto se supunha. Instituições
fortes e povo alerta são uma garantia de que não haverá espaço para chavismos
por estas bandas.
Em junho de 2013, alardeava-se
que o “Gigante acordou”. Logo se viu que esse despertar foi breve, pois em
seguida a Copa do Mundo cuidou de ninar o gigante em berço esplêndido. Apesar
de já terem sido agendados novos protestos, nada leva a crer que essa nova onda
de manifestações não passe disso: uma onda que morre na praia. Mas tudo bem. O
Brasil ainda é uma jovem democracia. A construção da cidadania não se dá em um
passe de mágica. É um processo lento e contínuo. As manifestações demonstram
que esse processo está avançando e esse é o dado mais importante. Basta seguir
adiante. Quando menos se espera, o gigante acorda e não dorme mais.
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