A morte de um jovem estudante em
razão do consumo excessivo de álcool durante uma festa universitária em
Bauru/SP foi lamentada na imprensa e nas redes sociais. Outros estudantes foram
encaminhados ao hospital em coma alcóolico. Imediatamente, como é costume no
Brasil, procurou-se um culpado e exigiu-se das autoridades públicas medidas
para evitar tragédias como essa.
Os primeiros a serem lembrados
como possíveis culpados foram os pais, que supostamente não ensinaram limites
ao filho. Em seguida, a escola, instituição que também deve ter falhado na missão
de impedir que o jovem se matasse consumindo bebida. Os organizadores da festa
também foram apontados como possíveis responsáveis pela morte, afinal promoveram
um evento com bebida liberada, do estilo open
bar. As empresas patrocinadoras do evento também foram indicadas como
partícipes decisivos da empreitada contra o estudante, já que financiaram o
evento. Os amigos do rapaz podem ser culpados igualmente, pois não o detiveram
no seu impulso suicida de beber até morrer, literalmente. O fabricante da
bebida, esse então, é o maior responsável, já que, sem a maldita “cachaça”, a
tragédia não teria acontecido. Até os russos devem ser um pouco culpados, pois,
sendo amantes da vodca, estimulam o consumo exagerado dessa bebida a partir do
seu mau exemplo.
É incrível, mas poucas pessoas
lembraram de culpar apenas o jovem estudante. Descartando-se a hipótese de que
ele tenha sido forçado ou coagido de verdade a ingerir a bebida em quantidade
excessiva (a ameaça de ser chamado jocosamente de nerd não pode ser considerada uma autêntica coação), não vislumbro
outro responsável pela sua morte que não ele próprio. Segundo as apurações
preliminares, o rapaz participou por livre e espontânea vontade de uma inusitada
“maratona”, uma disputa consistente em ingerir a maior quantidade de álcool em
menos tempo. Uma imbelicilidade sob qualquer ponto de vista, tanto de quem
participa, quanto de quem organiza, mas nada que surpreenda quem acompanha
atentamente a “evolução” da nossa cultura.
Ora, o jovem tinha 23 anos,
portanto já não era tão moleque assim; pelo que se sabe não era um débil
mental, de modo que não reclamava atenção especial de ninguém e agiu conscientemente;
era urbano, universitário, classe média, pelo que se deduz ser informado o
suficiente para saber os efeitos e os riscos inerentes ao consumo de bebidas
alcoólicas (a doença cardíaca que ignorava possuir só potencializou esses
efeitos e riscos). Nesse contexto, a sua morte só pode ser creditada a ele
mesmo. O que poderiam fazer as autoridades? Tolher a liberdade de escolha dos
jovens proibindo a venda de bebidas em festas universitárias? Quem sabe colocar
um fiscal em cada festa para monitorar o consumo de álcool e intervir no caso
de haver excessos? Por essa lógica, se alguém morrer em decorrência de doenças
ligadas à obesidade, então a solução seria proibir o McDonald’s de vender Big
Mac? Não creio que esse seja o caminho. Esse intervencionismo estatal na vida
privada pressupõe que os indivíduos não têm discernimento suficiente para fazerem
as suas próprias escolhas. Pessoas adultas e mentalmente sadias são dotadas de
livre arbítrio e não precisam de uma “babá” para lhes dizer o que é bom e ruim.
O que essas pessoas precisam é assumir a responsabilidade pelas suas escolhas.
Mas a nossa cultura parece não
admitir que alguém seja responsável por suas decisões. Por aqui, o sujeito é
ignorante, porque a escola é excludente e nunca porque lhe faltou vontade de
estudar. O sujeito é pobre, porque a burguesia capitalista lhe explora e nunca
porque prefere desfrutar do seguro-desemprego ao invés de trabalhar duro e
crescer profissionalmente. O sujeito é traficante, porque a sociedade lhe
oprime e nunca porque simplesmente escolheu o caminho mais fácil para alcançar
uma falsa riqueza. Não se ignora que o meio influencia as decisões do
indivíduo, mas, ao fim e ao cabo, a decisão é do indivíduo. Ele e mais ninguém
é o responsável pelas suas escolhas e, por isso, deve desfrutar dos benefícios
e encarar as pedras que encontrar no caminho que resolveu trilhar.
O caráter suicida do jovem não
torna a sua morte menos lamentável. Mas é igualmente lamentável essa constante
vitimização do indivíduo, porque essa cultura está formando uma geração de irresponsáveis.
Isso é perigoso, uma vez que, não sendo responsável por nada, o sujeito perde o
senso de dever, o que o leva a um confortável estado de acomodação. Assim,
deitado em berço esplêndido, o indivíduo espera que o melhor lhe aconteça num
passe de mágica e, quando isso não ocorre, cobra dos outros a responsabilidade
pela sua miséria. Uma sociedade assim está fadada a colher só desgraças, como
foi a morte estúpida do jovem universitário de Bauru.
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