“Nessas épocas de seca braba, as
pessoas percebem o quão preciosa e escassa é a água. Eis, então, uma ótima
oportunidade para se refletir sobre o seu uso e avaliar os meios para se coibir
o seu consumo desenfreado.
“O principal motivo para as
pessoas usarem e abusarem desse líquido vital é o seu baixo custo. A água é
barata demais! Eis a razão para tanto esbanjamento. Uma alternativa para conter
o desperdício é estabelecer tarifas diferenciadas, segundo padrões de consumo.
Poderiam ser criadas, pelo menos, três faixas de consumo. Na primeira,
representativa da quantidade de água necessária para atender as necessidades
básicas da pessoa, o custo poderia ser mínimo. Na segunda, na qual o consumo
ainda não é exagerado, mas já revela alguma superfluidade, o cidadão deveria
pagar mais caro. Na terceira, quando fica evidente o abuso e a irracionalidade,
o perdulário, além de ter que pagar um preço elevadíssimo, deveria ser
penalizado com uma multa e, em casos extremos, até com o corte do fornecimento
do serviço por um certo tempo.
“O atual modelo de gestão da água
produz uma grande injustiça, na medida que a maioria da população,
especialmente os mais pobres, que já utiliza a água à míngua, fica sujeita aos
incômodos e às limitações, notadamente o racionamento, decorrentes do consumo
irresponsável associado a uma minoria egoísta, normalmente representada pelas
classes mais abastadas. Afinal, quem consome mais água, o pobre, que mora em um
barraco de quarto e sala, ou o bacana, que diariamente manda os seus
empregados limparem, lavarem e regarem as dezenas de metros quadrados do pátio,
das calçadas e dos jardins da sua residência? Quem usa água em abundância, o
pobre que toma banho de caneco, pois nem chuveiro tem, ou a madame que
fica imersa em sua banheira de hidromassagem para relaxar depois de um dia
estressante? Quem esbanja mais água, o pobre que usa um pano molhado para
limpar a sua bicicleta, ou o playboy que perde o sábado ensaboando a
frota de carros do papai?
“Nos dias de hoje, não é mais
possível ser leniente com quem faz uso exclusivista desse bem indispensável
para o desenvolvimento sadio de todas as formas de vida no planeta. Nesse
sentido, o estabelecimento de padrões de consumo e de punições severas contra
os insensatos que teimam em manter as torneiras abertas pode ser um
poderoso instrumento para ajustar à realidade o comportamento destes
consumidores tresloucados. Como sempre, a solução existe; para variar, o que
falta é vontade política. Isso porque, talvez, aqueles que seriam capazes de
pugnar pela resolução do problema sejam justamente os responsáveis por ele.
Vamos ver o que vão fazer o bacana, a madame e o playboy,
quando o que faltar, de vez, for a água...”
E não é que faltou água até para o
bacana? O artigo acima reproduzido foi escrito pelo signatário e publicado em
03/08/2006, há mais de oito anos. Qualquer semelhança com a realidade de hoje
não é mera coincidência. Apenas uma correção é necessária: a responsabilidade
pelo desperdício é generalizada, inclusive do Poder Público, que não faz a
manutenção adequada da rede de distribuição, ocasionando perdas de até 50% com
vazamentos, segundo estudos do IBGE (Atlas do Saneamento – 2011). Se tivessem
sido adotadas medidas para coibir o desperdício de água, talvez a escassez dos
reservatórios hoje não seria tão preocupante.
Lamentavelmente, mesmo com toda a
crise, a água continua incrivelmente barata. Em São Paulo, a tarifa residencial
normal para consumo de até 10 m³ é de R$17,91 por mês. Na faixa mais elevada de
consumo (a partir de 50m³ ou 50.000 litros), a tarifa é de apenas R$ 7,71/m³. Ou
seja, o preço do litro varia de R$ 0,0017 até R$ 0,0077. Isso mesmo: paga-se um
centavo e sobra troco! Só em janeiro de 2015, no auge da seca, o governo de São
Paulo resolveu implantar uma tímida tarifa de contingência, que aumenta até
100% o valor da tarifa normal. Uau!!! Que medida drástica, não?! Agora, o litro
de água para a faixa mais cara dobrou, passando para um centavo e meio! Em
Santa Catarina, a realidade não é diferente: a tarifa residencial da faixa mais
elevada (acima de 50m³) é de módicos R$ 9,8784/m³, ou seja, também menos de um
centavo por litro consumido. Não será surpresa se faltar água de novo por estas
bandas.
Sendo tão barata, só se vai dar
valor à água quando a torneira secar, como está acontecendo agora. Por isso, a
crise de falta de água tem o seu lado positivo, afinal está contribuindo para
conscientizar as pessoas sobre o uso racional desse recurso. Tomara que a lição
seja bem assimilada dessa vez.
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