Os transtornos causados pela greve dos caminhoneiros após pouco dias de paralisação me lembram a anedota da disputa pela chefia do corpo humano.
Segundo o conto, certa vez, os órgãos do corpo humano reuniram-se em assembleia para decidir quem seria o chefe dessa tão engenhosa engrenagem. O primeiro a se candidatar foi o cérebro, dizendo-se o regente de todos os demais órgãos. O coração se insurgiu afirmando que ele deveria chefiar, já que era o responsável pelo bombeamento do sangue e oxigenação de todo o corpo, inclusive do cérebro. Cada órgão reclamava a sua importância para o organismo. Lá pelas tantas até o ânus se apresentou como de suma importância para o organismo. Todos os demais órgãos riram da pretensão do ânus de ser chefe. Chateado com tanto desprestígio, o ânus resolveu fazer greve e bloquear a saída traseira do corpo humano. No início, nenhum órgão se preocupou. Porém, passados alguns dias, o intestino grosso começou a reclamar da falta de espaço para armazenar o estoque e pediu aos demais órgãos para reduzirem a produção. A mercadoria começou a subir para o intestino delgado, que também começou a esboçar preocupação. Mais alguns dias e um mal estar generalizado se instala, contrações estomacais iam e voltavam constantemente, náuseas, suor, dores de cabeça, tontura, fraqueza... Diante da calamidade que se avizinhava, alguns órgãos já começavam a negociar com o ânus a liberação da saída. No entanto, o ânus se mantinha firme em sua reivindicação de ser o chefe. Vendo que não haveria modo de convencer o ânus, os órgãos se reuniram novamente e, por unanimidade, aclamaram o ânus chefe do corpo humano. Moral da estória: todo chefe é um c...
No primeiro dia de paralisação dos caminhoneiros, houve quem até se alegrasse com o esvaziamento das estradas. O trânsito nas rodovias ficou tranquilo e nenhum motorista rodando a 80km/h precisava se preocupar com o risco de se tornar um supositório de uma Scannia. No segundo dia, alguns piquetes e bloqueios chamaram a atenção, mas nada que chegasse a preocupar o cidadão que não precisava ir para o litoral no fim de semana. Na manhã do terceiro dia, donas de casa notam a falta de frutas e legumes frescos nos cestos das feiras e supermercados. Os comerciantes alegam que os caminhões não entregaram os pedidos. Ao meio-dia, os telejornais noticiam o risco de desabastecimento. Hospitais anunciam racionamento de medicamentos. No final da tarde, o plantão da Rede Globo informa que alguns postos de combustíveis já estão com os tanques vazios. À noite, consumidores fazem filas para abastecer seus veículos. Alguns postos aumentam o preço da gasolina até o triplo e limitam o abastecimento por cliente. Enquanto isso, nos supermercados, os consumidores enchem os carrinhos com arroz, feijão, massas, chocolate, água, pilhas, lanternas, bússolas, entre outros gêneros de emergência. No quarto dia, as escolas suspendem as aulas devido a falta de combustível para os ônibus escolares. As prefeituras reduzem o número de coletivos em circulação para economizar diesel. As concessionárias de água anunciam racionamento, pois temem que os produtos químicos usados para o tratamento da água não sejam distribuídos. Ao meio-dia, o Presidente da República convoca uma reunião com o Conselho de Defesa Nacional e determina que as estradas sejam desbloqueadas imediatamente pelo exército. O Comandante das Forças Armadas alega que os tanques e caminhões militares não têm combustível para chegar a todos os pontos de bloqueio. O Presidente conclama a população a usar bicicletas e patinetes e anuncia um Plano Nacional Emergencial de Recuperação das Ferrovias. Nos estados, os governadores pedem que a população fique dentro de casa e fechem as portas, pois as viaturas policiais não têm mais combustível para fazer rondas, só para atender casos de urgência. A cavalaria é convocada para sair às ruas e tentar conter a baderna, mas o comando adverte que os animais logo voltarão para as baias, porque o estoque de ração está no fim e os carregamentos de entrega estão presos nas filas das estradas. Em Santa Catarina, as autoridades estaduais, vendo que o clima ficou pesado, resolvem delegar à defesa civil as negociações com os grevistas (hein?!). Supermercados e lojas começam a ser saqueados. Vizinhos começam a invadir as casas uns dos outros em busca de alimentos e água. Vândalos tocam fogo em diversos pontos da cidade. Os bombeiros não conseguem atender porque também estão sem combustível. A população civil sente a falta que fazem as balas de borracha e as bombas de gás. Em Brasília, deputados e senadores se desesperam com o risco iminente de terem que passar o final de semana na capital federal por conta do cancelamento dos vôos comerciais, sem festas, sem jantares, sem acompanhantes, sem passeios no lago. Os telefones na FAB não param de tocar com parlamentares e lobistas implorando carona nos jatos oficiais. O Presidente da República embarca com a sua família para o Paraguai, única rota possível considerando a autonomia de vôo do avião presidencial. Pelo menos um deputado foi visto agarrado no trem de pouso do avião no momento da decolagem.
Diante desse caos, o presidente nacional do sindicato dos caminhoneiros invade o Palácio do Governo no dia que ficou conhecido como a tomada do Planalto, e se autoproclama presidente da nova república dos caminhoneiros. O vice-presidente jura fidelidade ao novo governo. Ministros do Supremo Tribunal reconhecem a legitimidade do golpe. Como primeira medida, o novo governo anuncia a redução do preço dos combustíveis e elege a ex-primeira dama Marcela Temer como nova musa dos caminhoneiros em substituição a Sula Miranda. Está decidido: o chefe, agora, é caminhoneiro.