quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

A incoerência que liberta

Segundo o dicionário Aurélio, coerência significa “ligação ou harmonia entre situações, acontecimentos ou ideias; relação harmônica; conexão, nexo, lógica”. Trata-se de um dos valores mais caros ao ser humano. É uma daquelas qualidades que nos diferenciam enquanto seres racionais, capazes de pensar de maneira lógica e de adotar padrões de pensamento e comportamento não contraditórios. É o que se espera de um ser humano e muito mais de um juiz. A coerência garante a previsibilidade das decisões judiciais e, por conseguinte, segurança jurídica para os cidadãos, na medida em que as pessoas saberão como será a aplicação da lei nesse ou naquele caso a partir de decisões pretéritas. Pois coerência foi o que mais faltou na decisão da juíza que resolveu soltar um bandido preso em flagrante com um fuzil.

O caso todo mundo já sabe. A polícia prendeu um suspeito de integrar facção criminosa na posse de um fuzil, trinta munições e sem camisa. Na audiência de custódia, esse famigerado ato inventado pelo CNJ para proteger gente presa, a juíza plantonista resolveu soltar o criminoso por entender que não havia elementos que demonstrassem a periculosidade social efetiva dele. Não contente, ainda mandou o Comando-Geral da Polícia Militar justificar em 48h porque o cidadão foi preso sem camisa. Só faltou devolver o fuzil e as munições ao meliante.

Na visão da juíza, a prisão em si foi absolutamente legal, tanto que o flagrante foi homologado. Todavia, pareceu contrariada com o fato do preso estar sem camisa. Se a prisão tivesse ocorrido em uma geleira no Alasca, até se compreenderia a preocupação da magistrada, já que a exposição do corpo desnudo a condições climáticas tão adversas seria uma tortura física. Mas em Florianópolis, em pleno verão escaldante, é impossível saber ao certo porque diabos a juíza encasquetou com o descamisado. Se, por um lado, a explicação que a juíza tanto queria lhe faltou, por outro sobraram memes e piadas nas redes sociais sobre o caso, fazendo chacota imerecida da justiça barriga-verde.

Imerecida porque esse tipo de decisão é absolutamente isolado no cenário catarinense. Felizmente, por aqui, um criminoso não tem vida tão fácil. Prova disso é que Santa Catarina continua sendo um dos estados mais seguros da federação. Prova maior ainda é que a decisão foi defenestrada do mundo jurídico tão rápido quanto nele ingressou, reformada por uma desembargadora plantonista. Aliás, que sorte ter sido outra mulher a reformar a decisão, para impedir que vozes feministas, irmanadas com grupos humanitários pró-criminosos, protestassem contra o que chamariam de ditadura masculina no judiciário!

A juíza que mandou soltar o sujeito que possuía em casa um fuzil por reconhecer que ele não representava um perigo social foi a mesma juíza que, no princípio da audiência, determinou que esse sujeito, já sem o fuzil, sem a camisa e sob escolta, fosse mantido algemado porque, pasmem!, representava um perigo à integridade física dos presentes no ato. Ora, ora, ora... Pimenta nos olhos dos outros é mesmo refresco. A senhora juíza manteve o sujeito algemado por reconhecer que se tratava de alguém perigoso. Na frente da juíza, o indivíduo desarmado era um perigo. Longe dela, o sujeito armado com um fuzil não representava periculosidade alguma. Eis a incoerência que marcou sobremaneira a decisão da magistrada.

À magistrada, faltou prudência ao devolver sem cerimônias um bandido à sociedade. Faltou reflexão ao supor que um sujeito que possuía um fuzil em casa não voltaria a delinquir. Faltou também acatamento ao determinar que o Comando-Geral explicasse em algumas horas porque um criminoso foi preso em flagrante sem camisa. Acima de tudo, faltou coerência ao considerar o sujeito perigoso para ela e inofensivo para os outros. Uma pena. O bandido ganhou liberdade. A sociedade perdeu segurança. E a juíza? Essa empatou ao ganhar notoriedade e perder o senso de justiça.

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