As pessoas, em
geral, têm um ótimo conceito de si próprias. O povo brasileiro, enquanto povo,
também tem um ótimo conceito de si próprio e tende a projetar no outro a razão
de todas as mazelas que assolam o país. Por isso, 92% dos brasileiros acham que
há racismo no país, mas só 1,3% se considera racista (dados preliminares de uma
pesquisa realizada pelo instituto Data Popular). Alguma coisa está errada nessa
conta ou o racismo, no Brasil, deve ser praticado por estrangeiros...
Outro exemplo da
diferença gritante entre o mito e a realidade pode ser observado nos recentes
episódios de saques a lojas e supermercados nos estados da Bahia e de
Pernambuco. A certeza de que a polícia estava mesmo em greve incutiu em muitas
pessoas a ideia de tirar proveito da situação para renovar toda a linha branca
da casa, trocar a TV (Copa do Mundo está chegando e nada melhor do que ver os
jogos em um telão!!!) e encher a despensa! As cenas são deprimentes: pessoas
transportando caixas e eletrodomésticos nas costas, em carrinhos de construção,
na garupa de motos, nos porta-malas dos carros e onde mais fosse possível.
Não adianta tentar
encobrir a realidade e dizer que entre os saqueadores só havia bandidos,
entendidos estes como pessoas dedicadas a atividades criminosas. Havia também
pessoas comuns do povo que, ordinariamente, não se enquadram no rótulo de
criminosos, mas que, diante da chance de obter uma vantagem indevida sem o
risco de serem responsabilizados, não tiveram dúvidas em participar da onda de
saques. Não há diferença entre o bandido comum e esse malandro de ocasião,
afinal ou a pessoa é honesta ou não é. Se é “honesta” só porque a polícia está
vigiando, então, na verdade, trata-se de um marginal enrustido. E bunda-mole, porque
não age regularmente desse modo apenas porque tem medo de ser preso. Prova dessa
covardia é que, dias depois, quando a polícia divulgou que utilizaria as
imagens gravadas nas ruas para identificar os saqueadores, muitos resolveram
abandonar a res furtiva nas ruas para
não serem flagrados na posse do produto do crime.
No Brasil, há essa
tendência de mascarar a realidade e ocultar uma verdade incômoda: a frouxidão
moral do povo, traduzida no “jeitinho brasileiro”, que, ao fim e ao cabo, é a
raiz dos males que acometem a sociedade. O brasileiro precisa parar de louvar uma
retidão ética que não existe e assumir de uma vez por todas a sua
responsabilidade pela esculhambação geral decorrente dessa malandragem
cotidiana. Enquanto esse “jeitinho” for encarado como uma virtude e não um
desvio de caráter, não há perspectiva de mudança.
Leandro Govinda
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