quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

Justiça até para quem não quer Justiça

A operação Lava Jato desencadeou, na última semana, a prisão de mais um petista, dessa vez o senador da República Delcídio do Amaral, e do banqueiro André Esteves, do banco BTG Pactual. O significado dessas prisões ainda não foi compreendido em toda a sua extensão. É preciso ter uma perspectiva histórica para entender que, finalmente, no Brasil a Justiça é para todos.

O fato de prender um senador em pleno exercício do mandato já seria algo extraordinário, porquanto esse é um dos cargos mais influentes da nação, rivalizando talvez com ministro de estado e só perdendo em prestígio e poder para os Presidentes da Câmara e do próprio Senado e, é claro, o Presidente da República. Mas Delcídio do Amaral não é um "simples" senador ou, como se diz, um político do baixo clero. Não! Delcídio do Amaral era nada menos do que o líder do governo no Congresso Nacional, governo esse que ocupa o poder central há mais de 12 anos, o mais longevo da história democrática do país. Portanto, além de estar em pleno exercício do mandato de senador, é seguramente um dos políticos mais influentes do partido na atualidade. Finalmente, a sua prisão não foi decretada por um juiz de primeira instância, geralmente jovem, vanguardista e habituado a decisões que surpreendem pelo ineditismo e coragem. Não! A prisão do senador foi decretada por unanimidade pelos ministros da segunda turma do Supremo Tribunal Federal, corte essa que, até bem pouco tempo atrás, jamais tinha condenado criminalmente um político em ação originária. Para completar, o senador foi acompanhado no camburão por um banqueiro.

Mesmo assim, ainda há quem observe a prisão do senador e do banqueiro desacreditando o trabalho do Ministério Público e do Poder Judiciário. Alguns chegaram a desdenhar a decisão, afirmando que os poderosos continuam soltos. Ora, mais poderoso que um senador só mesmo os Presidentes da Câmara, do Senado e da República. Desses, um já foi denunciado pelo Ministério Público, o Presidente da Câmara Eduardo Cunha, por corrupção e lavagem de dinheiro. Outro, o presidente do Senado Renan Calheiros, será agora investigado pela polícia e pelo Ministério Público, também suspeito de corrupção e lavagem. Só falta mesmo a Presidente da República! E, pelo andar da carruagem, falta pouco... Quer dizer, a operação Lava Jato levou para a cadeia praticamente todos os envolvidos nas falcatruas da Petrobrás e nenhum deles é "peixe pequeno". Foram presas dezenas de pessoas, entre altos diretores da companhia, políticos e empresários. Quando ia-se imaginar que, no Brasil, políticos do alto escalão e donos de empreiteiras seriam presos antes mesmo de serem processados, julgados e condenados? Como diria um ex-presidente, "nunca antes na história desse país" se denunciou e se prendeu tanta gente influente e poderosa. Agora, a lista de presidiários inclui um senador e um banqueiro!

É sob essa perspectiva histórica que se deve analisar a prisão do senador Delcídio do Amaral e do banqueiro André Esteves. A democracia brasileira é jovem, mas, em menos de trinta anos de história, as instituições públicas já estão funcionando com grau de republicanismo suficiente para condenar corruptos, a exemplo dos mensaleiros, e colocar na cadeia pessoas que, por seu poder, antes eram intangíveis. Na história recente, todas as investigações que se fazia resultavam em "pizza", porque essas pessoas gozavam de uma espécie de imunidade de fato que as colocava acima da Lei e da Justiça. Hoje é diferente. Essas pessoas estão sendo investigadas, denunciadas e, inclusive, presas por ação da polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário. Foi-se o tempo em que só "ladrão de galinha" ia para a cadeia. Lógico que ainda há muito por fazer. Mas os avanços conquistados até agora devem ser celebrados, porque representam a consolidação do regime democrático e a afirmação da independência das instituições republicanas.

Em tempo (1): Algumas pessoas também não compreenderam a diferença entre a tragédia ocorrida na França e em Mariana. Criticaram quem, como o signatário, coloriu o perfil no Facebook com as cores da bandeira francesa. Por mais solidário que se queira ser com as vítimas de Minas Gerais - e ninguém em sã consciência deixaria de sê-lo -, não se pode comparar os eventos. Em Mariana, houve uma tragédia motivada pela irresponsabilidade de uma empresa e dos seus dirigentes. Um crime grave, mas um crime. Na França, houve uma série de atentados terroristas praticados por fanáticos religiosos, cujo alvo não era simplesmente as pessoas vitimadas, mas os valores que essas pessoas representavam. Os atentados atingiram a democracia, a liberdade de pensamento e de culto religioso, os direitos das mulheres e das minorias, enfim todos os valores cultivados e amadurecidos durante séculos no mundo ocidental. Por isso, quem coloriu o seu perfil com as cores francesas não o fez apenas em solidariedade às vítimas do velho mundo, mas principalmente para demonstrar que repudia qualquer ação terrorista que pretenda suprimir esses direitos e liberdades conquistados a duras penas ao longo do tempo.

Em tempo (2): Com o presente artigo, o signatário encerra essa coluna no corrente ano. Um feliz natal e uma ótima virada de ano para todos os estimados leitores! Até 2016!

quinta-feira, 5 de novembro de 2015

Aprendendo com os alemães e italianos

Taió. Município com pouco mais de 18 mil habitantes encravado no Alto Vale do Itajaí. Colonizado inicialmente por alemães e, depois, também por italianos. De clima úmido e com alto índice de pluviosidade, a cidade, como muitas outras desse vale, cresceu à beira do rio e há algum tempo sofre periodicamente com as cheias. Quem visita a localidade depois de uma enchente, como a que ocorreu há poucos dias, pensa que vai encontrar um povoado devastado e amargurado pela miséria causada pela invasão das águas. Ledo engano. Longe da cultura açoriana, as coisas são diferentes.

A enchente desse ano teve seu ápice nos dias 23 e 24 de outubro. O nível da água do rio subiu mais de dez metros e atingiu a região central da cidade. A rua principal ficou submersa sob uma coluna de água de mais de um metro de altura em alguns pontos. As residências e os estabelecimentos comerciais foram invadidos pela correnteza. É fácil imaginar o rastro de destruição causado pela inundação, que espalhou pelas ruas e casas sujeira, dejetos, lama e lixo. O difícil é imaginar como, passado um par de dias, os vestígios dessa catástrofe já não existem mais. Mas é exatamente assim nesse pequeno município. Passeando-se pelo centro da cidade, o máximo que se observa são algumas marcas da água em alguns muros. Nos estabelecimentos comerciais atingidos, é difícil acreditar que houve mesmo uma inundação. As vitrines e bancadas estão expostas como se nada tivesse acontecido. No hotel, questiono o proprietário se entrou água. Ele aponta para o topo do muro, mais ou menos um metro de altura, indicando ser este o nível da inundação. Na recepção e no saguão, nenhum vestígio do desastre. Tudo limpo, impecável! Em uma padaria, pergunto para a proprietária sobre os prejuízos. Ela afirma que apenas o motor de uma máquina estragou. Como conseguiu preservar tudo, pergunto curioso. Ela diz que todo mundo na cidade foi alertado pela defesa civil sobre a elevação do nível do rio. Então, todos tiveram tempo para se preparar. Só teve prejuízo quem foi preguiçoso e não quis ter o trabalho de salvaguardar os seus bens, diz ela. Pelo visto, trabalho, por aqui, é algo que definitivamente não assusta o povo. Segundo a associação de empresários, prejuízo mesmo foi só a queda no faturamento do comércio, porque as portas ficaram fechadas durante os dias da cheia, diz a matéria publicada no jornal local. Fora isso, apenas uma ou outra vidraça quebrada.

Reclamação? Só de São Pedro. Ninguém por estas bandas culpa a prefeitura ou o estado pelas enchentes. Claro que poderiam ser feitas outras obras para controlar as cheias. Mas o povo daqui não espera uma salvação do governo. Uma vez dado o aviso pela defesa civil, cada um se preocupa em proteger a si próprio e ao seu patrimônio. E, depois da cheia, cada um cuida da limpeza da sua propriedade, enquanto a prefeitura cuida das ruas e dos logradouros públicos. No universo influenciado pela cultura lusitana, há quem prefira deixar os seus bens serem levados pela enchente para depois engrossar a fila daqueles que aguardam um novo programa do governo para adquirir móveis novos ou reformar a casa atingida. Já entre alemães e italianos, a impressão que se tem é que mendigar recursos públicos é uma humilhação indigna para quem tem força e saúde para trabalhar.

Boaventura de Sousa Santos costumava dizer que Portugal e Espanha são os primos pobres da Europa. Observando-se mais de perto as culturas alemã e italiana dá para entender porque é assim.

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

De qual moral a Presidente está falando?


A presidente Dilma Rousseff, em discurso no Congresso Nacional da CUT, no último dia 13, em São Paulo, defendeu o seu mandato sob o argumento de quem ninguém tem "força moral, reputação ilibada e biografia limpa suficientes" para atacá-la. É impressionante a capacidade que os governistas têm de criar uma ilusão e acreditar piamente nessa mentira.

É consabido que umas das estratégias dos governos totalitários é o uso da propaganda e do discurso oficiais para tentar criar realidades paralelas, quando as circunstâncias do mundo real não lhe são favoráveis. Nesse mundo imaginário, só acontecem coisas boas, ninguém erra, ninguém faz mal a ninguém, tudo é justificável, as notícias de jornais são mentirosas, a oposição é golpista, as instituições são corrompidas (menos, é claro, aquelas dominadas pelo partido do poder) e por aí vai... O governo federal é dominado há mais de 12 anos pelo mesmo partido. Nesse período, conseguiu-se a façanha de se produzir os dois maiores escândalos de corrupção da história republicana, quiçá de toda a história do Brasil, desde os tempos coloniais. No entanto, os governistas têm a desfaçatez de simplesmente negar os fatos. O mensalão redundou em condenações criminais inéditas no país. E olha que condenar alguém é uma tarefa hercúlea, considerando-se todas as benesses que as leis penais e processuais oferecem aos bandidos. Mesmo assim, políticos de envergadura, como ex-ministros e ex-deputados, foram julgados, condenados e presos em penitenciárias comuns. Mas os governistas negam até hoje a ocorrência dos crimes. Até as prisões, transmitidas ao vivo pelas redes de TV, foram interpretadas como prisões políticas, na vã tentativa de glorificar os criminosos.

Agora, depois de sucessivas etapas vencidas da operação Lava-Jato, já não há apenas investigações em curso. Diversos réus já foram denunciados e alguns condenados, com base em depoimentos de delatores acompanhados de provas do esquema de corrupção que assaltava os cofres da Petrobrás. Mais de uma dezena de delatores, entre ex-diretores da empresa, políticos e empreiteiros, relataram os mesmos fatos: propinas pagas por empresários, contas abertas no exterior, empresas laranja, malas de dinheiro, etc. etc. etc. Perceba-se que os delatores não são testemunhas ou informantes do Ministério Público. São réus confessos! Tanta gente já foi presa na operação que é difícil lembrar de todos os nomes. Mas dois deles são expoentes do partido do governo: José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil, e João Vaccari Neto, nada menos do que o ex-tesoureiro do partido. Ambos estão presos há meses. Apesar de tudo isso, o governo ainda insiste em dizer que não existe petrolão. Tudo invenção da imprensa, do Ministério Público, do Judiciário e, óbvio, dos delatores.

Recentemente, o Tribunal de Contas da União conclui que as famigeradas "pedaladas" fiscais existiram de verdade. Estão provadas pelas operações registradas no orçamento da União. Mais uma vez, a tropa do governo se apressa para dizer que tudo isso é invencionice daqueles que não se conformam com a derrota nas eleições.

Na campanha eleitoral, a presidente Dilma Rousseff prometeu crescimento econômico, redução de juros, controle da inflação, ampliação dos programas sociais, geração de empregos e investimentos em infra-estrutura. Obviamente, quem acompanhava a economia brasileira e mundial sabia que nada disso era verdade. Hoje, o que se tem é justamente o contrário: elevação dos juros, inflação galopante, desemprego em alta, redução de investimentos, entre outras catástrofes econômicas e financeiras. E o governo afirma que está tudo bem!

Seria, então, o caso de internar todas as pessoas que acreditam na existência da corrupção organizada no governo federal, nas "pedaladas fiscais" e no arrocho econômico? São todos loucos desvairados? Só os governistas estão no gozo perfeitos das suas faculdades mentais?

A Presidente tem uma visão de mundo meio esquisita, pois sempre vê cachorros ocultos atrás de crianças e acredita que estocar vento é a solução para a crise energética. Diante dessas bizarrices, não se pode afirmar com certeza o que ela entende por "moral", "reputação ilibada" e "biografia limpa". Deve ser algo muito diferente do entendimento ordinário das pessoas. Se a moral a que ela está se referindo é aquela que orienta as ações do governo federal, talvez seja mais fácil identificar quem não tem moral e reputação ilibada para atacá-la. Certamente, os seus correligionários não têm.


quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Ninguém nasce sabendo


Ninguém nasce sabendo. Ouve-se isso desde criança! É verdade que muitas coisas se faz por instinto, como, por exemplo, amamentar. O bebê não aprende a chupar o peito da mãe; ele simplesmente sabe como se faz isso logo que nasce. Em relação aos sentimentos, também parece que instintivo amar, odiar, ficar triste ou alegre, ter medo... Afinal, nenhuma pessoa precisa frequentar os bancos escolares para sentir a dor de uma martelada no dedo.

Se o sentir é algo intuitivo, lidar com os sentimentos não é assim tão fácil. E talvez seja essa a maior dificuldade para as pessoas se relacionarem, como amigos, colegas de trabalho, vizinhos e, inclusive, casais. Como é que se pode explicar que duas pessoas gostem uma da outra e não consigam ficar juntas? Mira-se esses casais apaixonados e pensa-se que eles têm tudo para dar certo. De repente, eles estão separados! Como? Logo eles que, como Harry e Sally, pareciam feitos um para o outro! Pois é... O problema não está no sentimento. Talvez o problema seja saber lidar com ele.

A maioria dos pares sabe apenas brincar naquele jogo conspiratório, que muitos confundem com a arte da sedução. Um não demonstra o sentimento, porque isso vai dar muita confiança para o outro. Um não diz que está com saudades, porque o outro pode pensar que ele já está apaixonado ou envolvido demais. Quantos dias já se passaram desde a última mensagem? Dois, três? Hmm.. então, está na hora de mandar um “oizinho” pelo whatsapp. Mas só um “oi”... Perguntar se está tudo bem pode ser mal interpretado. Se acontecer alguma coisa que um não gostou, melhor não falar, pois isso pode parecer destempero ou um apego exagerado. Deixa passar, o outro pensa que engana, mas o “um” está atento e, na hora certa, vai “jogar” tudo isso na cara do outro. O que não se percebe é que esses jogos perigosos vão minando a relação de tal maneira que logo a convivência fica insuportável. Então, aquele amor eterno se transforma em repugnância e, não raro, em ódio visceral.

Por que é assim e não de outro jeito? É aí que entra a percepção de que ninguém nasce sabendo! Saber lidar com os sentimentos não é tarefa fácil. Se fizer uma busca no Google, certamente haverá uma porção de manuais sobre o assunto. Mas esse é o típico negócio que não se aprende teorizando a respeito. É preciso praticar! Mas nem todo mundo é autodidata. Claro que, depois de muito tempo exercitando, é possível que se aprenda alguma coisa. Se o sujeito ficar matutando diante de um exercício de matemática, pode ser que consiga resolvê-lo. Mas quando está muito difícil, não fica mais fácil se um professor der uma dica? E não fica melhor ainda se o primeiro exercício for feito junto?

Por que, então, não se pode contar com alguém para ensinar a lidar com os sentimentos? Quando se trata de fazer sexo, ninguém tem vergonha de aprender com outro mais experiente. E essa pessoa mais experiente até se vangloria por ter ensinado alguns truques para o(a) novato(a). Por que isso não acontece quando se trata de ensinar o outro a amar ou lidar com esse sentimento? Se alguém já sabe como se faz, por que não ensina o outro que está apresentando dificuldades? Talvez as pessoas estejam tão preocupadas com a própria felicidade, tão ocupadas com o seu próprio umbigo, que não querem perder o tempo da sua vida ensinando o outro a amar. Lógico que ninguém vai ficar ensinando o outro a vida toda. Mas não custa tentar pelo menos uma vez! Se a pessoa não aprendeu, talvez ainda não esteja preparada ou interessada. Mas aí pelo menos sobra o consolo de que se tentou!

Ensinar requer paciência, atenção, zelo. E não basta só apontar o caminho, tem que ir junto. A maior demonstração de amor pode ser justamente essa: estender a mão e conduzir o outro até que ele aprenda a lidar com os seus sentimentos e, mais do isso, aprenda a compartilhá-los de modo saudável. Claro que é muito mais fácil pegar alguém que já seja um expert nesse assunto. Quem não quer encontrar logo o Don Juan ou a Princesa Encantada que vai tornar a vida um conto de fadas? É uma pena que seja assim... Essa atitude egoísta pode desperdiçar a chance de ficar com uma pessoa incrível, cujo maior pecado foi não ter nascido sabendo.

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

A descriminalização do uso de drogas


O Supremo Tribunal Federal (STF) está julgando o Recurso Extraordinário n. 635659, com repercussão geral, que discute a constitucionalidade da criminalização do porte de drogas para uso pessoal. O objeto do recurso é o art. 28 da Lei 11.343/2006, segundo o qual quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas será submetido às penas de advertência, prestação de serviços e medida educativa. Por não prever uma pena de prisão, muitos juristas sustentam que o uso de drogas há tempos deixou de ser um crime. De qualquer forma, o STF esta debatendo a matéria e alguns argumentos invocados pelos ministros são curiosos e merecem uma reflexão.

Segundo o Ministro Barroso, a descriminalização do uso de drogas – para ele, essa decisão deve se restringir ao uso de maconha – pode ser, em termos de política pública, uma alternativa à “guerra perdida” contra as drogas. O argumento não convence. A dificuldade em se combater um delito não pode motivar a descriminalização de condutas que a sociedade de modo geral ainda condena (pesquisa Ibope de 2014 aponta que 79% dos entrevistados eram contra a legalização da maconha). Os usuários de drogas representam uma parcela ínfima da sociedade. No entanto, grupos organizados desses usuários falam como se representassem os interesses gerais da nação e bradam aos quatro ventos que a legalização do uso de drogas é a solução para a “guerra perdida” contra o tráfico. Ora, a guerra está sendo perdida justamente porque esse usuário, aquele playboy inconsequente muito bem retratado no filme “Tropa de elite”, participa entusiasmadamente do crime financiando o tráfico. Sem usuário, não existe traficante. Simples assim! E vejam como são as coisas... Esse usuário, que boicota a guerra contra o tráfico, é o sujeito que defende a legalização do uso de drogas ao argumento da guerra perdida. Realmente, com a ajuda de maconheiros, craqueiros e cheiradores, os traficantes estão ganhando a guerra e, inclusive, já convenceram três Ministros do Supremo a se renderem.

Há outros crimes que também são difíceis de combater, como a exploração sexual de crianças e adolescentes. O perfil do criminoso e a até a colaboração dos pais são alguns dos fatores que tornam esse crime uma chaga nacional e, alguns poderiam pensar, trata-se de uma guerra perdida, afinal o tarado sexual nunca vai largar o seu vício. Sabe-se que essa prática não se combate apenas com a criminalização da conduta do agente, mas também com políticas sociais eficazes e até uma mudança cultural. Entretanto, ninguém em sã consciência diria que, em razão das dificuldades de se combater essa prática, isso seria motivo para descriminalizar o uso de crianças para satisfazer a lascívia de adultos.

Outro argumento, utilizado pelo relator, Ministro Gilmar Mendes, é que a criminalização estigmatiza o usuário, fato que comprometeria a adoção de medidas de prevenção e redução de danos. Se o estigma fosse razão suficiente para descriminalizar condutas, então o Código Penal e todas as leis penais deveriam ser abolidos, afinal a criminalização de qualquer conduta naturalmente gera um rótulo no agente. Aliás, o receio desse rótulo deveria ser um dos motivos para o sujeito não praticar a ação dita criminosa. Por outro lado, associar o estigma à dificuldade de implementar políticas públicas de prevenção e redução de danos pode ser perigoso. Um exemplo? A violência doméstica. É consabido que a prática de violência contra a mulher está associada a diversos fatores, desde o consumo de álcool e drogas até aspectos culturais de uma sociedade patriarcal e machista. Novamente, são motivações que não se combatem exclusivamente com a criminalização das condutas do agressor, mas principalmente com políticas públicas de amparo à família. Nem por isso se cogita descriminalizar a conduta de quem espanca a esposa ao argumento de que o “estigma” sobre o agressor “compromete” a adoção de medidas de prevenção e redução de danos.

Finalmente, argumenta-se que a criminalização do uso de drogas é uma clara violação à autonomia individual. Esse é um argumento válido e difícil de contestar. De fato, cada um sabe – ou deveria saber – o que é melhor para si. Como dizia meu avô, quem morre por seu gosto, acaba com o seu regalo. Se o sujeito quer se matar disparando uma arma de fogo na cabeça ou tomando uma overdose de drogas, quem sou eu para impedir? Cigarro e álcool também são drogas, causam dependência e, no caso do álcool, provocam mais danos coletivos do que, por exemplo, o uso da maconha. Por que, então, algumas drogas são lícitas e outras não? Porém, antes de liberar geral, algumas questões precisam ser respondidas.

Se o uso de drogas for permitido, seria uma contradição sem precedentes proibir o comércio: por que alguém seria proibido de produzir e vender um produto cujo consumo é lícito? É como admitir o consumo de Big Mac, mas, por se tratar de um sanduíche que causa mal à saúde, proibir o McDonald´s de vender. Não faz sentido. Outra questão é o alcance da autonomia individual. Se é verdade que cada um tem o direito de se autolesionar, por que se restringiria os meios para praticar essa autolesão? Se o sujeito pode se matar consumindo álcool ou maconha, não há razão para impedi-lo de fazê-lo usando cocaína, heroína, haxixe, drogas sintéticas, enfim qualquer droga ao sabor do cliente!

Finalmente, fala-se muito que o Estado deveria apenas desincentivar o consumo mediante campanhas de conscientização, como faz em relação ao tabaco. Essa é uma contradição difícil de superar: se as drogas causam tanto mal para o indivíduo a ponto de motivar o Estado a fazer campanhas contra o seu uso, por que diabos, então, vai se liberar o consumo?

quinta-feira, 10 de setembro de 2015

I never take a shortcut (Wayne Gilchrist)


Uma das coisas mais extraordinárias que pode acontecer durante uma viagem é conhecer pessoas. O fato de estar fora do seu domicílio, em lugares às vezes exóticos, faz do viajante alguém disposto a novas experiências, desde provar a culinária local ou tentar alguns passos da dança típica até se aproximar de tipos que, na correria do dia-a-dia, talvez nunca fizessem parte da sua vida. Na viagem que fiz ao Peru, tive a oportunidade de conhecer Wayne Gilchrist, um americano de Ohio de 70 anos de idade, que me ensinou algo tão verdadeiro quanto simples.

Wayne e eu integramos um dos vários grupos de mochileiros que faz a trilha do Cânion del Colca, na região de Chivay, a 150km de Arequipa, no sul do Peru. O passeio exige fôlego: no primeiro dia, são aproximadamente seis horas de caminhada para descer e cruzar o cânion. No final da tarde, chega-se a uma hostel que fica entre os paredões do vale, isolado no meio do nada. A única lâmpada acesa fica no espaço reservado para servir a janta. Fora dali, a escuridão é total, permitindo ter uma visão rara e privilegiada do céu, com direito a enxergar a poeira cósmica da Via Láctea. No dia seguinte, a caminhada começa ainda de madrugada: são três horas para subir o paredão íngreme do cânion.

Na ida, logo depois do almoço, chegamos a uma bifurcação. Ali, o guia parou e explicou para o grupo que havia duas possibilidades: a primeira seria seguir em direção a um povoado, que é a trilha comum. A segunda seria pegar um atalho que passava ao largo desse povoado e abreviaria o percurso em aproximadamente uma hora. Dos treze integrantes do grupo, doze, inclusive eu, votaram pelo caminho mais curto. Só uma pessoa preferiu o caminho mais longo: Wayne. Aquilo me deixou intrigado, porque seria natural que Wayne, justamente por ser o mais velho do grupo, preferisse o atalho para poupar energia. Mas não! Continuamos caminhando, pelo caminho mais curto, já que o americano foi voto vencido, e eu então me aproximei desse simpático senhor para perguntar-lhe porque ele preferia seguir o caminho mais longo. Ele respondeu: “I never take a shortcut in my life” (em tradução livre: “eu nunca pego um atalho na minha vida”).

Essa resposta me deixou desconcertado e ainda mais curioso sobre a personalidade do vizinho continental. Insisti na minha dúvida e pedi para ele me explicar a razão dessa filosofia de vida. Para ele, tomar um atalho significa abrir mão de conhecer todas as coisas que o caminho mais longo pode proporcionar. “Se eu pegar um atalho, tenho a sensação de que estou perdendo algo extraordinário que está no caminho completo”, afirmou ele. Depois de ouvir essas palavras, fiquei pensando no povoado que o grupo deixou de conhecer por conta da preguiçosa escolha da maioria... Pensei também em todos os atalhos que tomei na vida convicto da minha esperteza por diminuir as distâncias e chegar mais cedo onde quer que fosse. Que tolice! O mais triste é que, não raras vezes, tomamos atalhos não apenas para encurtar distâncias, mas para evitar algum trabalho, fugir de paixões, desviar-se de pessoas no caminho ou simplesmente para contornar pequenos dissabores. O que não se percebe é que, no final das contas, estamos evitando viver ou vivendo menos intensamente, deixando de curtir situações cotidianas que, boas ou ruins, fazem parte da vida e poderiam enriquecer a nossa experiência de uma maneira extraordinária.

Segui caminhando ao lado do Wayne. À medida que ia conhecendo-o, mais fascinado ficava com a sua história. Apesar de já ter 70 anos, Wayne, com passos lentos, mas sempre firmes, acompanhava o grupo de jovens com uma vitalidade incrível. No segundo dia de caminhada, a expectativa seria subir o cânion em três horas. Wendy completou o percurso a pé em três horas e dez minutos, enquanto alguns jovens do grupo tinham optado por contratar o transporte de mulas para não precisar encarar a empreitada! Com tanta disposição, imaginei que Wayne seria um “bon vivant”, aquele tipo Zé Carioca, bem conhecido dos brasileiros, que nunca se estressa com o trabalho e só desfruta da vida. Ledo engano. Wayne me contou que sempre trabalhou além da conta, mais de oito horas por dia. “Eu tive quatro filhos ainda jovem e era autônomo, sempre precisei trabalhar muito para sustentar a família”. Num país como o Brasil, onde uma unha encravada já encoraja pessoas de caráter duvidoso e pouco afeitas ao trabalho a pretender se encostar na previdência, o exemplo do ianque é um tesouro. Porque precisou trabalhar e cuidar da família, Wayne teve poucas oportunidades para viajar na vida. Agora, aposentado, começou a empreender aventuras pelo mundo. E sozinho, já que é divorciado. Esse foi outro aspecto notável da sua figura! Sem nenhuma mágoa aparente, fez questão de frisar que a separação foi uma opção da mulher: “Ela preferiu assim, o que se pode fazer?” Por pouco não conheci esse sujeito ímpar, já que, no ano passado, ele teve complicações em decorrência de uma cirurgia no olho e quase morreu. No entanto, a vontade de viver foi maior que o medo da morte.

No final do passeio, perguntei a ele se estava muito cansado. Ele disse que sim, mas mesmo assim estava ansioso para começar outro desafio na sequência, a trilha tradicional de Machu Picchu, uma caminhada de quatro ou cinco dias.

Wayne Gilchrist, 70 anos, divorciado, pai de quatro filhos, um homem que aproveitou de verdade a sua vida dedicando-se à família e ao trabalho. Hoje, mesmo sozinho e já idoso, não tem receio de embarcar em aventuras mundo afora sem atalhos. Que bom! Não fosse esse espírito tão livre e corajoso, provavelmente eu não teria tido o privilégio de conhecer uma pessoa que, por sua simplicidade, é tão inspiradora!

quinta-feira, 30 de julho de 2015

O enfrentamento da mediocridade no ensino


A crise da educação brasileira não é segredo para ninguém. Atualmente, já há um consenso de que o sistema de ensino, público e privado, está falido. Há muito se observa a deterioração das relações humanas decorrente da mais pura falta de educação dos sujeitos, que simplesmente não sabem resolver os seus conflitos de maneira civilizada. Agora, o mercado de trabalho começa a sentir também os problemas originários da absoluta incapacidade de a escola e a universidade prepararem o indivíduo para desempenhar ofícios, no mais das vezes, elementares. O que se discute, então, é o que fazer para superar essa crise.

A baixa qualidade do ensino brasileiro pode ser medida pela falta de intimidade dos alunos universitários com a língua materna. Frise-se: universitários! Antes da Copa do Mundo de 2014, o governo federal lançou um programa de proficiência em língua inglesa. Incrível, mas um burocrata em Brasília pensou em ensinar inglês para a estudantada que mal sabe falar português! Difícil imaginar que alguém possa dominar conteúdos de qualquer ciência, mesmo as exatas, quando ignora conceitos e regras elementares da gramática. Falar em “oração”, por exemplo, só tem sentido religioso para grande parte dos alunos. Muitos não sabem que “conserto” e “concerto”, apesar da identidade de pronúncia, são substantivos completamente distintos. A crase, ao que tudo indica, virou coisa dos mais velhos. Pontuação, então, parece que já não é mais ensinada nos bancos escolares. Os modernos meios de comunicação viraram vilões da língua portuguesa. A geração “twitter” diz que se habituou a escrever errado nas redes sociais, porque as mensagens precisam ser curtas e abreviadas. Ora, antigamente também se escrevia pouco e abreviado nos telegramas. Nem por isso os antigos atropelam a língua hoje. Como costumo dizer, para quem dá, desculpa sempre há...

A verdade é que os estudantes se habituaram a não estudar! Nota-se uma preguiça em aprender e uma despreocupação com os resultados. Uma pesquisa da FGV, por exemplo, aponta que, desde 2010, mais da metade dos candidatos foram reprovados no exame nacional da OAB. A nota média no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) de Direito, realizado em 2012, foi de apenas 40,8. Apesar desses resultados pífios, os estudantes não parecem preocupados, afinal continuam “estudando” do mesmo modo que os seus antecessores. Bem, se adotam o mesmo método, é improvável que alcancem um resultado diferente. Aparentemente, o que importa mesmo é ganhar o diploma, ainda que esse papel sirva só para enfeitar a parede do quarto no futuro.

A boa notícia é que há solução para enfrentar a crise e a primeira delas passa por reconhecer o problema. Enquanto o professor fingir que ensina, e o aluno, que aprende, não tem como dar certo. É preciso romper esse pacto de mediocridade que assombra as escolas e as universidades e começar a ensinar e avaliar de verdade os estudantes. Sabe-se que muitos alunos têm dificuldades de aprendizado por variadas razões, desde limitações de inteligência, má alimentação e até problemas de violência doméstica e trabalho infantil. Esses alunos precisam de ajuda, sem dúvida, mas a aprovação automática não é o caminho. O pai que bate no filho não vai deixar de agredi-lo porque ele foi aprovado na primeira séria. O piá vai continuar apanhando, agora na segunda série. Na Universidade, a responsabilidade dos professores não é menor. A aprovação sem critérios seguros de avaliação nas faculdades forma aquele médico que esquece a tesoura no estômago do paciente, ou aquele advogado que perde um prazo e arruína a vida do cliente ou um engenheiro que erra grosseiramente a conta e faz desabar um viaduto em construção.

Atualmente, um dos maiores entraves ao crescimento do Brasil é a baixa qualidade da sua mão-de-obra, produto de um sistema educacional que não prepara as pessoas para o mercado de trabalho. Se no passado a preocupação era inserir todas as crianças e os adolescentes na escola e aumentar o número de vagas nas universidades, hoje é preciso aliar esses objetivos à melhora da qualidade do aprendizado. E essa qualidade passa, sem dúvida, por uma revisão dos métodos de ensino e igualmente por uma reformulação do sistema de avaliação nas escolas e nas universidades. Se esse desafio não for encarado e vencido, o país vai continuar patinando.

Em tempo: o signatário entrará em férias e não escreverá ensaios nas próximas quatro semanas.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

1808: passado ou presente?


O signatário leu recentemente a obra "1808" do historiador Laurentino Gomes. Não se trata de um lançamento, porquanto a obra foi publicada em 2008. Essa é a primeira de uma série de três estudos sobre os principais acontecimentos que marcaram passagens memoráveis da história do Brasil (depois do primeiro livro, o autor lançou 1822 e 1889, centrados na independência e na proclamação da República, respectivamente). Em 1808, o autor cuida da transferência da corte Portuguesa para o Brasil, ocorrida justamente nesse ano. A par do formidável trabalho de pesquisa, chama a atenção a incrível atualidade de alguns aspectos da política, da economia, da cultura, do comportamento e até do humor nacionais. Uma leitura atenta da obra leva o leitor à conclusão de que os maus hábitos hoje cultivados pelos brasileiros são mais antigos do que a salve rainha e, por isso, tão difíceis de serem mudados, o que explica e muito o nosso estágio de desenvolvimento.

O autor narra, por exemplo, que "o Brasil do começo do século XIX era um país perigosamente indomável, onde brancos, negros, mestiços, índios, senhores e escravos conviviam de forma precária, sem um projeto definido de sociedade ou nação". É impressionante como a sentença é atual, inclusive quando fala em "senhores e escravos", já que, em muitos rincões do país, a escravidão infelizmente ainda é uma realidade, um pouco mais disfarçada, mas ainda existente. Igualmente, passados mais de 200 anos, os sucessivos governos, em todas as esferas da federação, foram incapazes de construir um projeto de sociedade e de nação.

Os relatos dos viajantes há dois séculos retratam uma “colônia preguiçosa e descuidada, sem vocação para o trabalho, viciada por mais de três séculos de produção extrativista”. William John Burchel, botânico inglês, constatava que “aqui a natureza tem feito muita coisa – o homem, nada... os homens continuam a vegetar na escuridão da ignorância e na extrema pobreza, consequência apenas da preguiça”. Como é antiga, pois, a malandragem brasileira!

Essa preguiça e essa aversão ao trabalho sempre foi estimulada. Segundo Laurentino, uma das armas que D. João utilizou para conter os ânimos daqueles que se sentiam invadidos pela corte foi usar a “imagem do rei benigno, que tudo provê e de todos cuida e protege”. A historiadora Maria Odila Leita da Silva Dias, citada pelo autor, pontua que “a corte e o poder real fascinavam-nos como uma verdadeira atração messiânica: era a esperança de socorro de um pai que vem curar as feridas dos filhos”. Figuras como Getúlio Vargas, pai dos pobres, e Lula desempenharam exatamente esse papel de provedor e protetor. E até hoje a grande massa espera desses messias a solução para todos os seus problemas.

Já naquele tempo também o Estado era gigante e povoado de servidores públicos. Conforme o autor, "a corte portuguesa no Brasil era 10 e 15 vezes mais gorda do que a máquina burocrática americana nessa época (1800)". E, tal como hoje, esses sanguessugas "dependiam do erário real ou esperavam do príncipe regente algum benefício...". O embaixador alemão conde Von Flemming, citado na obra, notava que "nenhuma outra corte tem tantos empregados, guarda-roupas, assistentes, servos uniformizados e cocheiros". Nada mais parecido com o cabide de empregos gerado pelas superestruturas de ministérios e secretarias, nos quais se multiplicam como erva daninha os funcionários fantasmas e outros tantos parentes e amigos do rei que ocupam cargos comissionados por indicação de políticos.

A promiscuidade nas relações entre o público e o privado também não é de hoje. Segundo Laurentino, o rei D. João VI dependia das “listas ‘voluntárias’ de doações que os ricos da terra se dispunham alegremente a subscrever, em troca de favores, privilégios e honrarias”. Naquela época, os traficantes de escravos “se destacavam entre os grandes doadores, recompensados com honrarias e títulos de nobreza”. Olha aí o embrião dos esquemas de corrupção que atualmente têm contornos requintados de organização criminosa, a exemplo do mensalão e do petrolão!!!

E o que se dirá da imprensa? Há dois séculos, Hipólito José da Costa, jornalista fundador do Correio Braziliense, era um crítico do governo e defendia ideias liberais. Tanto que o seu jornal era publicado em Londres para fugir da censura local. No entanto, não resistiu aos favores do Rei e, a partir de 1812, “passou a receber uma pensão anual em troca de críticas mais amenas ao governo de D. João”. Quando se observa a fortuna empenhada para custear a propaganda oficial dos governos e das empresas estatais veiculadas em jornais, revistas e emissoras de rádio e TV, vê-se bem que a imprensa continua refém dos afagos governamentais.

Se bem pensado, ao contrário do que sustentam os esquerdistas tapados, a culpa pelo subdesenvolvimento do Brasil não é de impérios estrangeiros dominadores. Os maiores culpados são os próprios brasileiros, que há dois séculos cultivam esses hábitos indolentes e uma personalidade distorcida. São brasileiros de sangue e alma que usurpam a riqueza do país em benefício próprio. Enquanto imperar essa visão míope sobre o valor do trabalho e as funções do Estado, é provável que, daqui a dois séculos, um novo historiador escreva sobre outros fatos marcantes da história do Brasil e a sua obra retratará uma realidade tão atual no futuro quanto a de 1808 hoje.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Carta de Jesus para Gregorio Duvivier


Prezado Duvivier,

Outro dia reproduziste uma carta que eu teria enviado para um pastor. Fiquei um pouco chateado, especialmente quando afirmas que “sou de esquerda”. Acho que foste tu quem não leu direitinho a minha biografia. Veja bem: entre os maiores expoentes da esquerda estão Lenin, Stalin, Mao Tsé-Tung, Pol Pot e, mais recentemente, Hugo Chavez. Não esqueço o Fidel, mas esse ainda está por aí. As ditaduras esquerdistas desse pessoal foram responsáveis pelo maior genocídio da história da humanidade. Há quem diga que foram assassinados quase cem milhões de indivíduos. Só o Pol Pot matou um quarto dos seus conterrâneos no Camboja. No Brasil, isso seria equivalente a mais ou menos cinquenta milhões de pessoas. Não é pouca gente. Não tenho muito contato com essa turma, afinal eles não vieram para o céu, mas sei que alguns deles são cultuados e adorados até hoje por companheiros.

Eu não sou de esquerda, nem de direita, nem de centro. Aliás, na minha época, essas noções significavam tão somente a posição do corpo. É verdade que eu andava descalço. Fazia isso para provar que uma pessoa não precisa de muito para viver. Eu era desapegado desses bens materiais. Sempre preferi cultivar a força do espírito. Eu andava com os pobres, mas andava com os ricos também. O Lázaro, um homem que nunca passou necessidades, foi um amigão meu. Volta e meia eu sentava à mesa com ele para comer. Nunca julguei alguém por ser rico. Aliás, nunca julguei ninguém. Eu ensinei justamente o contrário: “não julgue para não ser julgado”. Nem os coletores de tributos, que eram tão odiados na minha época (e até hoje, pelo que percebo). Uma vez perguntaram se o povo devia pagar impostos, e eu respondi bem claro: “dai a César o que é de César”.

Eu sempre andei com todo o tipo de gente, sadios e leprosos, mulheres virgens e prostitutas, ricos e pobres, pois acredito que as pessoas são iguais. Sempre foi assim. Agora, a física quântica está provando isso que eu já enxergava há dois mil anos. Antes tarde do que nunca! Ser igual, no entanto, não significa que eu deva cultivar os mesmos hábitos. Respeito as prostitutas, mas nem por isso vendo o meu corpo. Respeito os ricos, mas não almejo acumular riqueza. Respeito os ladrões, mas roubar não serve para mim. Respeito os homossexuais, mas acredito que algumas partes do corpo tem uma função bem definida. Por isso não entendo essa obsessão em querer induzir as pessoas, mesmo as criancinhas, a fazerem o que alguns fazem.

Sugerir que eu defendo uma ideologia responsável por governos ditatoriais, que não respeitam a vida e a liberdade das pessoas é, no mínimo, ofensivo. Logo eu que sempre preguei a compaixão e o respeito ao próximo. A propósito, lembras dos dez mandamentos, aquelas dez regrinhas que o Moisés a muito custo escreveu na pedra? Está lá na minha biografia também. Para facilitar a compreensão, eu resumi em apenas dois: amar a Deus sobre todas as coisas e amar as pessoas como a nós mesmos. Eu escrevi isso porque, na minha cabeça, alguém que ama ao próximo não mata, não estupra, não sequestra e não rouba. O problema é que tem gente que não gosta de gente. Esses matam, estupram, sequestram, roubam e cometem outras barbaridades. Mesmo assim eu ensinei que as pessoas devem perdoar umas às outras, porque todo mundo pode cometer erros.

Agora, perdoar não significa deixar uma ação impune. A ideia de punir também está lá na minha biografia. Há muitos e muitos anos, pessoas foram condenadas sumariamente à pena de morte por afogamento. Foi numa época em que a promiscuidade e a maldade tinham tomado conta do mundo. Veio um dilúvio e matou todo mundo, homens, mulheres e crianças. Só o Noé, a sua família e os animais foram salvos. Eu achei isso um exagero. Como falei, sou contra a matança de pessoas, seja por ordem da esquerda, da direita ou divina. Mas quem sou eu para julgar?

Enfim, eu não vivo mais entre vocês, por isso minha opinião não deve ter lá muita serventia. Mas de qualquer forma aí vai a minha visão: em um mundo ideal, as pessoas que cometem um erro deveriam se arrepender e serem perdoadas, porque o arrependimento regenera a pessoa, e o perdão impede a proliferação do ódio. Esse sistema funciona bem aqui em cima. Agora, vocês aí embaixo não vivem em um mundo ideal. Só se arrepender e ser perdoado não vai funcionar. Vocês vivem em uma sociedade que têm regras jurídicas, que precisam ser respeitadas para que vocês vivam em paz. Quem viola uma regra deve ser punido. Pergunte aos romanos, eles entendem bastante de Direito. Uma regra sem sanção não tem efetividade alguma. A punição é um modo de inibir as pessoas de repetir o erro. Errar é humano, mas o problema é repetir o erro, porque aí já é burrice. E acredite: o ser humano é meio burro.


quarta-feira, 17 de junho de 2015

O empobrecimento espiritual do brasileiro


O escândalo da semana envolve a família Mata Roma, que comandou o Sindicado dos Comerciários do Rio de Janeiro por quase cinco décadas. Parentes contratados como funcionários fantasmas, uso do cartão corporativo para pagar viagens de passeio na terra do Mickey Mouse, desvio de dinheiro para compra de mansões, casas de campo, carros luxuosos, lanchas. É mais uma oportunidade para se fazer uma reflexão a respeito da malandragem cotidiana que pauta o comportamento dos brasileiros.

Na semana passada, foram os médicos do Hospital Universitário de Florianópolis, em Santa Catarina, duas dezenas deles suspeitos de fraudaram o controle de ponto por estarem “trabalhando” em dois lugares ao mesmo tempo, conforme apurou a Polícia Federal na operação batizada sugestivamente de “onipresença”. Antes disso, houve a notícia do escândalo no pagamento de indenizações relativas ao seguro DPVAT, aquele seguro obrigatório cobrado por ocasião do licenciamento anual de veículos. Pessoas que caíram do cavalo no sítio receberam indenizações como se tivessem sofrido um acidente de trânsito. Volta e meia há notícias de fraudes no pagamento de benefícios previdenciários: cidadãos que nunca trabalharam no campo são contemplados com aposentadoria especial; indivíduos que não sofrem de qualquer moléstia se “encostam” no INSS e recebem auxílio doença; mulheres jovens forjam casamentos com senhores de avançada idade para em seguida se tornarem viúvas e pensionistas. O seguro-desemprego é outra fonte inesgotável de esquemas de corrupção envolvendo patrões e empregados que simulam uma demissão, a fim de que o empregado receba o benefício e continue trabalhando informalmente. E por aí vai...

O que há de comum nesses escândalos é que todos foram protagonizados por brasileiros anônimos. Quer dizer, nenhuma dessas fraudes envolveu deputados, senadores, chefes de poder ou ministros, como se viu no mensalão. Tampouco são poderosos empreiteiros ou altos dirigentes de empresas estatais, como se está agora apurando na operação Lava Jato. Não! As fraudes listadas acima envolvem cidadãos comuns, que não têm todo esse poder político ou econômico. São pessoas que simplesmente viram uma oportunidade de se apropriar de um dinheiro fácil, seja público, seja privado, ou desviá-lo em benefício próprio. Esses brasileiros são aqueles que se orgulham de terem dado um jeitinho para obter uma vantagem indevida. E que fazem inveja a outros tantos brasileiros que até tentaram, mas não foram tão “competentes”. Ontologicamente, não há diferença de caráter entre esses cidadãos ditos comuns e aqueles políticos e empreiteiros que fraudam licitações e superfaturam obras públicas. São todos corruptos.

A diferença é apenas o tamanho da vantagem auferida. Enquanto deputados e senadores corruptos se enriquecem com desvio de milhões de reais do orçamento público, a maior parte dos corruptos cotidianos só consegue se locupletar de uma pequena soma. Claro, o desvio é proporcional ao poder que esse indivíduo tem nas mãos. Como se diz, foi o que deu para roubar: um salário de médico para não trabalhar; alguns mil reais para ir a Disney; outros trocados de uma indenização por acidente; uma pensão de salário mínimo; um salário duplo durante os meses de seguro desemprego.... Se fossem eles deputados ou senadores, tivessem eles o poder de aprovar uma emenda para essa ou aquela obra pública, indicarem esse ou aquele amigo para um cargo comissionado, com absoluta certeza seriam tão corruptos e se enriqueceriam tanto quanto os mensaleiros presos.

Apesar de individualmente o proveito parecer pequeno, se forem somados, é provável que a cifra supere em muito o montante desviado, por exemplo, da Petrobrás. Só no Sindicato dos Comerciários fala-se em um rombo de R$ 100 milhões de reais em meia dúzia de anos de corrupção. Na previdência e no seguro-desemprego, é muito difícil calcular o prejuízo aos cofres públicos, mas são também milhões, quiçá bilhões de reais desviados anualmente com essa corrupção cotidiana praticada por brasileiros ditos de bem, pessoas consideradas trabalhadoras e “honestas” por seus familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho. Na visão dessa gente corrupta, não estão tirando nada de ninguém: estão tirando do governo, do sindicato, do clube, do condomínio, da igreja, como se essas entidades fossem integradas e mantidas por alienígenas. Assim, achando-se estranhos a essas entidades, pensam que podem usurpar a riqueza delas, do mesmo modo que os portugueses faziam com o Brasil colônia. A diferença é que os portugueses, depois de secarem as tetas do além-mar, podiam voltar para a pátria mãe e desfrutar do produto explorado. Já os brasileiros, quando a riqueza acabar, vão para onde? Quem sabe, se a Nasa deixar, servirão de cobaias para povoar o planeta Marte...

O brasileiro “comum” tende a pensar que o problema do país é apenas a corrupção nos salões do governo. Ledo engano. A malandragem que inspira milhões de brasileiros a buscarem rotineiramente vantagens indevidas também empobrece o Brasil. E o empobrecimento não é apenas material. Um povo que só pensa em tirar proveito individual da riqueza produzida coletivamente está condenado a ser para sempre pobre de costumes, de moral e de espírito.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

O direito de greve no serviço público


Nessa semana, a greve dos professores da rede estadual de ensino de Santa Catarina completará 60 dias. Tanto tempo de paralisação é um convite para se refletir sobre o direito de greve dos servidores públicos e as consequências que o exercício desse direito deve acarretar.

O direito de greve está assegurado na Constituição Federal, tanto para os trabalhadores da iniciativa privada (art. 9º), quanto para os do setor público (art. 37, VII), portanto ninguém discute a legitimidade do seu exercício. Porém, nenhum direito é absoluto. Nem mesmo o direito à vida é absoluto, já que a própria Constituição autoriza a aplicação da pena de morte em pelo menos uma hipótese: quando houver guerra declarada. Em relação ao direito de greve, a Constituição também limita o seu exercício e sujeita às penas da lei quem fizer uso abusivo desse direito (art. 9º, § 2º). Na seara pública, o exercício do direito de greve ainda não foi regulamentado por lei específica, mas o Supremo Tribunal Federal há muito reconheceu a aplicação, por analogia, da Lei 7.783/1989, que regula a greve dos empregados privados.

A greve, por definição, consiste na suspensão coletiva, temporária e pacífica, da prestação do serviço ao empregador. Se o trabalhador, por livre e espontânea vontade, resolve não prestar o serviço para o qual foi contratado, qual é a consequência óbvia dessa decisão? Ora, parece intuitivo que, suspendendo-se o contrato de trabalho, suspende-se as obrigações de ambos os contraentes, empregador e empregado. Logo, a primeira providência que o empregador poderia adotar é cessar o pagamento do salário dos trabalhadores grevistas, afinal, o cidadão não pode ser remunerado sem trabalhar, pois isso seria um evidente enriquecimento sem causa. Compreende-se que nenhum empregador adotará tal medida imediatamente, ou seja, antes de tentar negociar o atendimento das reivindicações dos trabalhadores grevistas. Agora, paciência tem limite.

A greve dos professores estaduais de Santa Catarina logo vai completar 60 dias. Nesse período, as negociações avançaram a passos de tartaruga. Pode-se até admitir que os professores continuem de braços cruzados. O que não se compreende é o governo simplesmente não reagir, como se o movimento paredista não o atingisse. De fato, só os estudantes são atingidos diretamente pela greve dos professores. Mas o Governo tem uma responsabilidade, que é garantir aos alunos a carga horária mínima de ensino definida pelo Ministério da Educação. Eis aí um problema de difícil solução: considerando-se o calendário acadêmico, a reposição integral dos dias parados exigiria que os professores trabalhassem praticamente todos os sábados e domingos até quase o final do ano ou todos os dias do recesso escolar de verão. Alguém acredita que isso irá realmente acontecer? O signatário estudou em universidade pública e sabe muito bem como essas reposições só acontecem no papel. Quer dizer, o tempo de paralisação já gera prejuízos irreparáveis para os alunos da rede estadual.

Diante desse quadro, é justo continuar remunerando regularmente os professores grevistas? É justo deixar essa lacuna no ensino dos alunos da rede pública, aprofundando ainda mais o fosso existente entre as escolas públicas e privadas? No Poder Judiciário, o Presidente do Tribunal de Justiça Catarinense decidiu suspender parcialmente o pagamento dos salários dos servidores grevistas. Igual medida não deveria ser adotada pelo Poder Executivo? Não seria o caso também de se contratar professores temporários para tentar amenizar o prejuízo resultante da falta dos professores efetivos?

Uma lição aprendida nos primeiros dias de aula na Faculdade de Direito é que o direito de alguém termina onde começa o de outro. Ninguém duvida da legitimidade de algumas das reivindicações dos professores. O direito de greve deve ser respeitado, mas igualmente merece respeito o direito dos alunos de terem aulas. Em um Estado Democrático de Direito, como ainda é o Brasil, não se pode admitir que alguém exerça qualquer direito de modo abusivo e sem ser responsabilizado de alguma forma por isso. Quem quer desfrutar de um direito, precisa aprender a suportar também as consequências naturais advindas desse exercício. Como se diz, quem aufere o bônus, há de suportar o ônus.


quarta-feira, 6 de maio de 2015

Concurso público: a experiência de quem já foi aprovado

Prezados amigos e amigas, aproveito este espaço para divulgar a publicação do livro de minha autoria “Concurso Público: a experiência de quem já foi aprovado”. Trata-se de uma obra prática, escrita a partir da minha experiência acumulada com a aprovação nos concursos públicos mais disputados do país, dentre os quais se destacam o de Auditor-Fiscal da Receita Federal, de Procurador da Fazenda Nacional e de Promotor de Justiça.

Com linguagem direta e clara, a obra descontrói os mitos que assombram os concurseiros e traça o verdadeiro perfil de um aprovado em concurso público. Ainda, ensina como dar os primeiros passos nessa jornada, desde a escolha do cargo até o dia da prova, com instruções detalhadas sobre como planejar os estudos e com sugestões de cronogramas, metas e rotinas. O livro também apresenta dicas de como estudar e como enfrentar as provas objetivas, discursivas e orais.

Uma obra completa, que vai ajudar quem sonha ser aprovado em qualquer concurso público.

A obra foi publicada em duas versões, digital e impressa, com o mesmo conteúdo.

A versão digital é inteiramente GRATUITA e pode ser baixada no site da própria Editora IELD, através do seguinte link: http://ield.com.br/produto.php?id=34. Não há restrições de direito autoral quanto à divulgação e à reprodução fiel dessa versão digital, de modo que o arquivo pode circular livremente nas redes sociais ou por mensagens eletrônicas. A ideia de disponibilizar uma versão on-line sem custo é justamente permitir que essa experiência chegue ao conhecimento e possa ajudar todos aqueles que estão se preparando para qualquer concurso público.

A versão impressa pode ser adquirida ao preço sugerido de R$ 19,90 nas Livrarias Catarinense de Florianópolis.

Se você conhece alguém que está se preparando para um concurso público, compartilhe essa mensagem e ajude a divulgar essa ideia.

quarta-feira, 22 de abril de 2015

A raposa cuidando do galinheiro




A operação Zelotes da Polícia Federal apura fraudes praticadas no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão do Ministério da Fazenda com atribuição para julgar os recursos administrativos dos contribuintes. De acordo com as investigações, grandes empresas são suspeitas de pagarem propinas aos julgadores para votarem no sentido de anular as autuações lavradas por Auditores-Fiscais. O prejuízo causado aos cofres públicos pode chegar a 19 bilhões de reais. Isso representa três vezes mais do que as perdas provocadas pela corrupção na Petrobrás. O escândalo é uma ótima oportunidade para se pensar sobre a utilidade e conveniência de se manter um Conselho dessa natureza.

 

Como é cediço, o ato administrativo goza de presunção de legalidade, ou seja, presume-se que foi praticado dentro dos estreitos limites fixados pela Lei. No entanto, está claro que, eventualmente, equívocos podem ser cometidos pelos agentes públicos, seja por ignorância, seja por desleixo, seja por má-fé. A ideia de se instituir órgãos revisores dos atos administrativos decorre do interesse da Administração Pública em corrigir os erros praticados por seus próprios agentes. Portanto, trata-se de defender diretamente um interesse da Administração. Só por reflexo é que se tutela o interesse do administrado.

 

No Ministério da Fazenda, as Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ) são incumbidas de julgar as impugnações administrativas aos lançamentos fiscais, realizando justamente esse trabalho de revisão dos atos administrativos praticados pelos agentes do Fisco. O CARF, por sua vez, tem a atribuição de julgar os recursos interpostos contra os acórdãos das turmas das DRJs. Ou seja, o CARF funciona como órgão revisor da revisão. Ora, se já existe um órgão incumbido de controlar a legalidade dos lançamentos fiscais e que, até onde se saiba, desempenha a contento essa missão, qual é o fundamento para se criar uma segunda instância de revisão dos atos administrativos? Há aí uma evidente e desnecessária sobreposição de atribuições, um atentado ao princípio da eficiência que deve pautar a Administração Pública. E mais: se a revisão dos atos administrativos é realizada no interesse da própria Administração, como é que se admite que esse segundo órgão seja composto também por representantes dos devedores da Fazenda? Dar poder para os próprios contribuintes julgarem as suas autuações é como colocar a raposa para cuidar do galinheiro. Não faz nenhum sentido! Ainda mais considerando-se que o julgamento na esfera administrativa não é definitivo, porquanto remanesce para o contribuinte o recurso ao Poder Judiciário para anular o lançamento fiscal.

 

A verdade, que todo mundo sabe, é que o recurso ao CARF só tem uma finalidade: protelar a cobrança do crédito tributário, uma vez que mantém suspensa a sua exigibilidade. Enquanto o recurso “dorme” nos escaninhos do CARF, a Fazenda Pública é impedida de tomar as providências para efetuar a cobrança forçada desse crédito, mediante ajuizamento da execução fiscal. Eis o único sentido da manutenção de um órgão como o CARF: dar tempo e fôlego para os grandes devedores da Fazenda Pública. O escândalo revelado pela operação Zelotes sugere que já passou da hora de se propor a extinção do CARF, um órgão que presta homenagem à burocracia e à ineficiência da Administração Pública.

 

quarta-feira, 8 de abril de 2015

Os delírios no debate sobre a redução da maioridade penal



O Congresso Nacional está discutindo (uma vez mais...) a proposta de emenda constitucional para reduzir a maioridade penal. Nesse debate, duas questões se misturam inadvertidamente e deveriam ser destacadas, a fim de permitir uma compreensão melhor do assunto em voga.

 

A primeira questão é saber se o menor de 18 anos tem consciência potencial da ilicitude dos seus atos e, por esse motivo, pode ser responsabilizado. Nisso consiste a imputabilidade penal: a atribuição de responsabilidade penal para todo aquele que pratica um crime consciente do caráter ilícito dessa conduta. Ser imputável significa, portanto, ser capaz de receber uma determinada sanção pela prática de um delito. A Constituição Federal, reproduzindo um dispositivo do Código Penal de 1940 (art. 27), garante que os menores de 18 anos são penalmente inimputáveis (art. 228). A impressão que se tem é que os menores, no Brasil, não podem ser responsabilizados pela prática de atos criminosos. Trata-se de uma ideia absolutamente equivocada. O erro é reforçado pela opção legislativa de substituir algumas expressões associadas a bandidos por outras, digamos, politicamente corretas, na vã tentativa de evitar que o jovem seja rotulado pela sociedade como um deliquente. Assim, o adolescente não comete crime, mas “ato infracional”; não está sujeito à pena, mas a “medidas socioeducativas”; não pode ser preso em flagrante, mas tão somente “apreendido”; e não está sujeito à pena privativa de liberdade, no máximo “internação“.

 

Apesar de o dispositivo constitucional dizer que os menores são inimputáveis, a verdade é que, desde os 12 anos, o sujeito que comete um crime pode (e deve) sim ser responsabilizado e punido por esse ato. Portanto, sob esse prisma, a primeira questão está superada, afinal se o menor pode ser responsabilizado, inclusive com a privação da sua liberdade, então rigorosamente ele é imputável. Isso significa que ele tem consciência da ilicitude do seu ato e deve responder por isso. Apenas essa punição não é a mesma aplicada aos adultos, considerando-se que o adolescente é ainda um indivíduo em formação. Eis então a segunda questão: será que aplicar ao adolescente as mesmas sanções previstas para os adultos diminuirá a violência praticada pelos menores? Esse é o ponto central do debate.

 

A princípio, não vejo problema em aplicar ao adolescente as sanções penais previstas para adultos. Ora, se a lei permite que o sujeito, desde os 16 anos, trabalhe, case e vote, então parece claro que se reconhece nele uma maturidade para responder por seus atos como um adulto. Porém, tenho a impressão de que essa proposta não resolverá o problema da criminalidade juvenil por duas razões tão elementares quanto óbvias.

 

Primeiro, porque a aplicação da lei penal aos adultos exige a observância a um rígido, lento e tormentoso processo penal, recheado de formalismos e recursos e sustentado por teorias mirabolantes e fantasiosas que dificultam sobremaneira a efetiva punição do criminoso. No Brasil, lamentavelmente, o bandido, a partir do instante em que é denunciado até a execução da pena, se transforma, como que por um milagre, em uma "vítima do sistema" e recebe do próprio Estado uma proteção que o torna quase intangível aos órgãos de persecução penal. É muito mais fácil e rápido impor uma medida socioeducativa a um adolescente do que uma pena de prisão a um adulto. Supor que estender aos menores a legislação penal aplicável aos adultos irá conter a violência deles é ignorar a realidade do processo penal brasileiro. Ora, se a lei penal comum não diminui o ímpeto criminoso de adultos, por que diabos haveria de ter esse efeito com os adolescentes?

 

A segunda razão é ainda mais gritante: a violência praticada por adolescentes cresce pelo mesmo motivo que faz aumentar a violência praticada por adultos, ou seja, a certeza da impunidade. As sanções previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) seriam suficientes para combater a violência dos jovens. A propósito, essas sanções, às vezes, podem ser até mais rigorosas. Se um adulto cometer um homicídio simples, por exemplo, muito provavelmente será condenado à pena mínima de 6 anos de prisão, iniciando o cumprimento dessa reprimenda no regime semiaberto (que, diga-se de passagem, só existe no papel) e, após um ano, já pode progredir para o regime aberto (que, na prática, consiste em assinar uma ficha de presença no Fórum). O adolescente que cometer esse mesmo delito poderá ser internado (leia-se: privado da sua liberdade) por até 3 anos, sem progressão de regime. Mais do que punir, as sanções previstas no ECA seriam o bastante para regenerar o adolescente em conflito com a lei, pois há previsão de escolarização e profissionalização compulsórias, tudo sob a devida orientação e acompanhamento de profissionais capacitados para esse fim.

 

A desgraça é que até hoje, passados mais de 20 anos desde a promulgação desse estatuto, as suas disposições nunca saíram do papel. Na imensa maioria das cidades brasileiras, não há programas estatais minimamente eficientes nem instituições públicas adequadas para aplicação dessas medidas. Por isso os jovens marginais cometem delitos sem cerimônia: sabem que, tal como os adultos, ficarão impunes, não porque a lei os trate como irresponsáveis, mas simplesmente porque o Estado não aplica a lei especial a eles, do mesmo modo que não aplica a lei comum aos adultos.

 

Uma lei penal mais severa até pode contribuir para diminuir a sanha de um criminoso, mas desde que seja efetivamente aplicada. Daí porque apenas definir que os menores estarão sujeitos à mesma lei dos adultos não trará nenhum resultado para o combate à criminalidade juvenil, se os adolescentes continuarem convictos de que não serão punidos. O arcabouço legislativo atualmente vigente já permite responsabilizar os adolescentes pelos crimes que cometem. Apenas essa lei não é aplicada, como de resto não são aplicadas outras tantas leis que vigoram no país. Por isso, os congressistas, os órgãos de persecução penal, os defensores dos direitos humanos e a sociedade deveriam estar mais preocupados em garantir a efetiva aplicação das leis existentes e menos com alterações legislativas que, no atual contexto, serão inócuas.

 


quarta-feira, 25 de março de 2015

Depois do inverno... o outono!



O inverno de 2013 no Brasil foi marcado por manifestações populares, inicialmente contra o aumento das passagens do transporte coletivo, mas logo infladas por outras tantas bandeiras. Bradou-se pelo fim da corrupção, por mais educação, saúde e segurança, contra a PEC da impunidade. Agora, os desdobramentos da operação Lava Jato e as revelações feitas por réus confessos e colaboradores sobre detalhes do esquema de desvio de recursos na Petrobrás, empresa estatal administrada pelo Governo Federal, esgotaram a paciência do povo, que voltou às ruas às vésperas do outono de 2015 para protestar uma vez mais, dessa vez centrado nos escândalos de corrupção. As manifestações reuniram milhões de pessoas e chamaram a atenção em diversos aspectos.

Primeiro, a espontaneidade da sua organização, mediada pelas redes sociais. Incrível o poder de disseminação da informação através da internet. Essa poderosa ferramenta parece ter livrado o povo da dependência de partidos, sindicatos e associações para se organizar e manifestar o seu pensamento. Aliás, por certo foi justamente o fato de não haver envolvimento dessas agremiações que motivou muitas pessoas a aderirem às manifestações. Essa dissociação pode ser medida pelas vaias recebidas pelo Deputado Federal Paulinho da Força Sindical, quando tentou falar ao microfone em um carro de som na avenida Paulista durante o protesto. Acossado pela multidão, o deputado se viu na constrangedora obrigação de descer do veículo e vazar, como se diz na gíria.


 Outro aspecto a se destacar é o espraiamento das manifestações em todas as regiões do país, ainda que as mais numerosas tenham sido nas regiões sul e sudeste, onde a votação da atual presidente nas últimas eleições não foi expressiva. Isso significa que não é só a “elite branca do sul” que se posiciona contra o achaque dos cofres públicos por políticos, servidores públicos e empreiteiros corruptos, como insistem os integrantes do governo. Aqui em Florianópolis, por exemplo, a diarista do signatário, pessoa de parcos recursos e pouca instrução, também está revoltada com as denúncias que ouve nos noticiários, o que a levou, junto com o seu esposo, para a rua protestar. A indignação é generalizada.


 O movimento também não tem vinculação a uma ideologia. Nas ruas estavam pessoas de esquerda, de direita, de centro e também aquelas para quem essas expressões só têm sentido quando se fala em orientação no espaço. Bonito ver aquela multidão vestindo roupas com cores verde e amarela, em franca associação às cores da bandeira nacional. Isso mostra que a preocupação dos manifestantes é uma só: defender a moralidade pública, a retidão no trato dos negócios do Estado, enfim defender a República do assalto que lhe é dirigido diuturnamente e sem nenhum pudor por pessoas inescrupulosas. O receio de que as manifestações poderiam se transformar em uma aclamação pelo retorno de uma ditadura militar não se confirmou, pois a presença de simpatizantes dessa ideia foi tão insignificante que nem de perto tirou o brilho das passeatas.


 Finalmente, a grandeza do movimento serviu para comprovar que o Brasil ainda está muito longe de ser transformar em uma Venezuela, uma Cuba ou uma Bolívia. Para além da força de instituições como o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Imprensa, o país ainda é formado por um povo que, como se viu, não é tão alienado quanto se supunha. Instituições fortes e povo alerta são uma garantia de que não haverá espaço para chavismos por estas bandas.


Em junho de 2013, alardeava-se que o “Gigante acordou”. Logo se viu que esse despertar foi breve, pois em seguida a Copa do Mundo cuidou de ninar o gigante em berço esplêndido. Apesar de já terem sido agendados novos protestos, nada leva a crer que essa nova onda de manifestações não passe disso: uma onda que morre na praia. Mas tudo bem. O Brasil ainda é uma jovem democracia. A construção da cidadania não se dá em um passe de mágica. É um processo lento e contínuo. As manifestações demonstram que esse processo está avançando e esse é o dado mais importante. Basta seguir adiante. Quando menos se espera, o gigante acorda e não dorme mais.

quarta-feira, 11 de março de 2015

O perigoso culto à irresponsabilidade



A morte de um jovem estudante em razão do consumo excessivo de álcool durante uma festa universitária em Bauru/SP foi lamentada na imprensa e nas redes sociais. Outros estudantes foram encaminhados ao hospital em coma alcóolico. Imediatamente, como é costume no Brasil, procurou-se um culpado e exigiu-se das autoridades públicas medidas para evitar tragédias como essa.

Os primeiros a serem lembrados como possíveis culpados foram os pais, que supostamente não ensinaram limites ao filho. Em seguida, a escola, instituição que também deve ter falhado na missão de impedir que o jovem se matasse consumindo bebida. Os organizadores da festa também foram apontados como possíveis responsáveis pela morte, afinal promoveram um evento com bebida liberada, do estilo open bar. As empresas patrocinadoras do evento também foram indicadas como partícipes decisivos da empreitada contra o estudante, já que financiaram o evento. Os amigos do rapaz podem ser culpados igualmente, pois não o detiveram no seu impulso suicida de beber até morrer, literalmente. O fabricante da bebida, esse então, é o maior responsável, já que, sem a maldita “cachaça”, a tragédia não teria acontecido. Até os russos devem ser um pouco culpados, pois, sendo amantes da vodca, estimulam o consumo exagerado dessa bebida a partir do seu mau exemplo.

É incrível, mas poucas pessoas lembraram de culpar apenas o jovem estudante. Descartando-se a hipótese de que ele tenha sido forçado ou coagido de verdade a ingerir a bebida em quantidade excessiva (a ameaça de ser chamado jocosamente de nerd não pode ser considerada uma autêntica coação), não vislumbro outro responsável pela sua morte que não ele próprio. Segundo as apurações preliminares, o rapaz participou por livre e espontânea vontade de uma inusitada “maratona”, uma disputa consistente em ingerir a maior quantidade de álcool em menos tempo. Uma imbelicilidade sob qualquer ponto de vista, tanto de quem participa, quanto de quem organiza, mas nada que surpreenda quem acompanha atentamente a “evolução” da nossa cultura.

Ora, o jovem tinha 23 anos, portanto já não era tão moleque assim; pelo que se sabe não era um débil mental, de modo que não reclamava atenção especial de ninguém e agiu conscientemente; era urbano, universitário, classe média, pelo que se deduz ser informado o suficiente para saber os efeitos e os riscos inerentes ao consumo de bebidas alcoólicas (a doença cardíaca que ignorava possuir só potencializou esses efeitos e riscos). Nesse contexto, a sua morte só pode ser creditada a ele mesmo. O que poderiam fazer as autoridades? Tolher a liberdade de escolha dos jovens proibindo a venda de bebidas em festas universitárias? Quem sabe colocar um fiscal em cada festa para monitorar o consumo de álcool e intervir no caso de haver excessos? Por essa lógica, se alguém morrer em decorrência de doenças ligadas à obesidade, então a solução seria proibir o McDonald’s de vender Big Mac? Não creio que esse seja o caminho. Esse intervencionismo estatal na vida privada pressupõe que os indivíduos não têm discernimento suficiente para fazerem as suas próprias escolhas. Pessoas adultas e mentalmente sadias são dotadas de livre arbítrio e não precisam de uma “babá” para lhes dizer o que é bom e ruim. O que essas pessoas precisam é assumir a responsabilidade pelas suas escolhas.

Mas a nossa cultura parece não admitir que alguém seja responsável por suas decisões. Por aqui, o sujeito é ignorante, porque a escola é excludente e nunca porque lhe faltou vontade de estudar. O sujeito é pobre, porque a burguesia capitalista lhe explora e nunca porque prefere desfrutar do seguro-desemprego ao invés de trabalhar duro e crescer profissionalmente. O sujeito é traficante, porque a sociedade lhe oprime e nunca porque simplesmente escolheu o caminho mais fácil para alcançar uma falsa riqueza. Não se ignora que o meio influencia as decisões do indivíduo, mas, ao fim e ao cabo, a decisão é do indivíduo. Ele e mais ninguém é o responsável pelas suas escolhas e, por isso, deve desfrutar dos benefícios e encarar as pedras que encontrar no caminho que resolveu trilhar.

O caráter suicida do jovem não torna a sua morte menos lamentável. Mas é igualmente lamentável essa constante vitimização do indivíduo, porque essa cultura está formando uma geração de irresponsáveis. Isso é perigoso, uma vez que, não sendo responsável por nada, o sujeito perde o senso de dever, o que o leva a um confortável estado de acomodação. Assim, deitado em berço esplêndido, o indivíduo espera que o melhor lhe aconteça num passe de mágica e, quando isso não ocorre, cobra dos outros a responsabilidade pela sua miséria. Uma sociedade assim está fadada a colher só desgraças, como foi a morte estúpida do jovem universitário de Bauru.



quarta-feira, 25 de fevereiro de 2015

Os desafios da educação



O lema do segundo mandato da Presidente Dilma é “Brasil, Pátria Educadora”. Segunda a mandatária da nação, a educação será uma prioridade no seu governo e buscará formar o cidadão com compromissos éticos e sentimentos republicanos. A proposta é ótima, mas, como toda carta de intenções, dependerá de ações práticas para se transformar em realidade. E os desafios na área não são poucos nem simples, já que as décadas de abandono criaram uma situação dramática no ensino brasileiro.

O despreparo dos estudantes já não é novidade para ninguém. Mede-se isso pelos resultados vergonhosos dos alunos brasileiros em exames oficiais. No Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), que reúne 65 países, o Brasil sempre disputa as últimas colocações, atrás de países como o Vietnã, Cazaquistão e os vizinhos latino-americanos Uruguai e México. Pelo menos ganhamos da Argentina. O último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) teve um resultado catastrófico: mais de meio milhão de estudantes tiraram “zero” em redação. Além de exames teóricos, pode-se apurar o baixo nível de aprendizado dos estudantes também na prática, observando-se a qualidade do trabalho dos estagiários. Já vi estagiário de graduação escrever “suspenÇão”. E mais de um estagiário já cometeu erros grosseiros como esses, alguns de modo reiterado. Infelizmente, a cada ano que passa, o nível piora...

A deterioração do ensino nas últimas décadas está provocando um fenômeno novo e muito mais preocupante: a “onda” de alunos despreparados está formando uma geração de professores igualmente despreparados. A lógica é muito simples: como a educação em todos os níveis, desde a básica até a universitária, é de uma qualidade sofrível, os professores formados nessa rede de ensino obviamente não terão condições de lecionar muitas coisas, já que ninguém ensina o que não sabe. E aí tem início um perigoso círculo vicioso: professores que não ensinam, formam alunos que não aprendem. E os alunos que não aprendem, viram professores que não ensinam... Os bons professores, que estudaram no tempo em que a escola ainda ensinava alguma coisa, estão se aposentando. E a nova geração de professores será formada por essa turma de alunos que tiraram nota “zero” na redação e que não sabem a diferença do “S” para o “Ç”. Se essa tendência não se reverter, logo o Brasil vai precisar importar mestres alemães ou japoneses para dar aulas. A dificuldade será encontrar quem ensine português para esses estrangeiros lecionarem por aqui... Talvez importar também professores de Portugal... Como se vê, o sinal de alerta passou do amarelo para o vermelho.

Como na vida nada é tão ruim que não possa piorar, esse quadro é agravado pelo fato de que, em geral, os pais de alunos acreditam que a escola dos filhos é boa. Na rede pública, se o aluno recebe uniforme, material escolar, merenda e transporte é um indicativo de que está tudo bem. Na rede privada, o simples fato de pagar pelo ensino faz presumir que o serviço prestado é de boa qualidade. Ora, se os pais, que são os maiores interessados na educação dos filhos, acreditam que vai tudo bem na escola, fica difícil fazer uma reforma de verdade no sistema de ensino. Por isso, não basta um lema para revolucionar a educação no Brasil. O maior desafio do governo é parar de “tapar o sol com a peneira” e reconhecer logo que o ensino é um lixo. Depois, será preciso convencer a sociedade disso, a fim de que se torne uma aliada na promoção das mudanças que se fazem necessárias para melhorar a qualidade da educação no país.

Em tempo: o governo federal lançou uma consulta pública para a criação de um programa de valorização de diretores de escolas públicas de educação básica municipais, estaduais e federais de todo país. São três perguntas simples: 1) Como você avalia a importância de um diretor de escola de Educação Básica? 2) Como você entende que pode ser valorizado o papel do diretor de escola de Educação Básica? e 3) Gostaria de registrar alguma sugestão ou comentário acerca do tema? Acesse o site até o dia 02/03 e dê a sua contribuição: http://pddeinterativo.mec.gov.br/diretorprincipal/index.php.