Outro
dia, em uma reunião do condomínio onde moro, fiquei espantado com a
reação de alguns moradores diante da constatação de que havia “gato” nas
instalações da TV a cabo. Depois de expor a situação, o síndico indagou
o que fazer a respeito. Imediatamente, opinei que o “gato” deveria ser
cortado (se possível, arrancando o cabo da fiação clandestina com
bastante força e virulência para tentar derrubar o televisor do
malandro) e, em seguida, multar o responsável, nos termos do regimento
interno do prédio. Simples assim!
Para minha surpresa, houve
condôminos que acharam a minha sugestão radical, pois se deveria ouvir
primeiro o espertinho que estava subtraindo clandestinamente o sinal de
outro morador. Eu fiquei imaginando o que o síndico diria para o
picareta que fez o gato:
-Olá, bom dia. Desculpe incomodar,
mas, como síndico, verifiquei que o senhor está subtraindo
clandestinamente o sinal da TV a cabo de outro vizinho. Então, se não
for causar muito transtorno, o senhor poderia, por favor, parar essa
fraude? Se precisar, podemos negociar um prazo para o senhor se adaptar à
nova vida sem TV a cabo. Ah... também já gostaria de pedir desculpas
antecipadas porque vou ter que aplicar uma multa que está prevista no
regime do condomínio, tudo bem? Olha, isso não é nada pessoal, viu?! É
que o dono do sinal não gostou, sabe como são essas pessoas egoístas,
não gostam de dividir o que é seu...
Percebam que não se está
falando de alguém faminto que vai até a padaria e subtrai um pão para
alimentar a si ou a sua família. Não! Estamos tratando de um sujeito sem
vergonha que está desviando o sinal de TV a cabo para assistir seriados
americanos. Alguém consegue imaginar uma justificativa plausível para
isso? Pois um dos condôminos imaginou que a própria empresa de TV a cabo
pode ter feito o “gato” para não precisar transmitir um novo sinal.
Outro disse que o gato pode ter sido feito por um inquilino veranista
sem o conhecimento do proprietário do apartamento. Definitivamente, o
brasileiro é criativo demais, pena que não utiliza essa criatividade
para melhorar a teoria da relatividade.
Vejam bem: não estou
dizendo que essas hipóteses são impossíveis de ocorrerem. Na verdade, em
um exercício de imaginação, pode-se cogitar diversas outras situações: o
zelador do prédio pode ter feito isso por simples sarcasmo, um
adolescente habilidoso pode ter feito só para causar confusão, o próprio
dono do sinal, num acesso de loucura, pode ter feito o gato no seu
próprio sinal para depois se dizer perseguido por forças ocultas, etc.
etc. etc. Enfim, a questão é que essas hipóteses, conquanto possíveis,
são absolutamente improváveis. O mais certo é que o vizinho
deliberadamente fez um gato. Só que admitir essa hipótese significa ter
que tomar uma providência para cessar a fraude e punir o espertinho. E é
isso que o brasileiro evita a todo custo: coibir a malandragem.
Essa leniência com o “torto”, essa tolerância infinita com o erro
traduz a frouxidão moral do brasileiro. Por aqui, tudo tem desculpa,
tudo é justificável por qualquer argumento absurdo. Ao fim e ao cabo, é
essa cultura que autoriza os invasores daquela propriedade privada na
SC-401 em Florianópolis continuarem lá bem belos e faceiros, sob o
beneplácito do Estado.
Leandro Govinda