quarta-feira, 26 de março de 2014

Por que os invasores da SC-401 ainda estão lá?

Outro dia, em uma reunião do condomínio onde moro, fiquei espantado com a reação de alguns moradores diante da constatação de que havia “gato” nas instalações da TV a cabo. Depois de expor a situação, o síndico indagou o que fazer a respeito. Imediatamente, opinei que o “gato” deveria ser cortado (se possível, arrancando o cabo da fiação clandestina com bastante força e virulência para tentar derrubar o televisor do malandro) e, em seguida, multar o responsável, nos termos do regimento interno do prédio. Simples assim!

Para minha surpresa, houve condôminos que acharam a minha sugestão radical, pois se deveria ouvir primeiro o espertinho que estava subtraindo clandestinamente o sinal de outro morador. Eu fiquei imaginando o que o síndico diria para o picareta que fez o gato:

-Olá, bom dia. Desculpe incomodar, mas, como síndico, verifiquei que o senhor está subtraindo clandestinamente o sinal da TV a cabo de outro vizinho. Então, se não for causar muito transtorno, o senhor poderia, por favor, parar essa fraude? Se precisar, podemos negociar um prazo para o senhor se adaptar à nova vida sem TV a cabo. Ah... também já gostaria de pedir desculpas antecipadas porque vou ter que aplicar uma multa que está prevista no regime do condomínio, tudo bem? Olha, isso não é nada pessoal, viu?! É que o dono do sinal não gostou, sabe como são essas pessoas egoístas, não gostam de dividir o que é seu...

Percebam que não se está falando de alguém faminto que vai até a padaria e subtrai um pão para alimentar a si ou a sua família. Não! Estamos tratando de um sujeito sem vergonha que está desviando o sinal de TV a cabo para assistir seriados americanos. Alguém consegue imaginar uma justificativa plausível para isso? Pois um dos condôminos imaginou que a própria empresa de TV a cabo pode ter feito o “gato” para não precisar transmitir um novo sinal. Outro disse que o gato pode ter sido feito por um inquilino veranista sem o conhecimento do proprietário do apartamento. Definitivamente, o brasileiro é criativo demais, pena que não utiliza essa criatividade para melhorar a teoria da relatividade.

Vejam bem: não estou dizendo que essas hipóteses são impossíveis de ocorrerem. Na verdade, em um exercício de imaginação, pode-se cogitar diversas outras situações: o zelador do prédio pode ter feito isso por simples sarcasmo, um adolescente habilidoso pode ter feito só para causar confusão, o próprio dono do sinal, num acesso de loucura, pode ter feito o gato no seu próprio sinal para depois se dizer perseguido por forças ocultas, etc. etc. etc. Enfim, a questão é que essas hipóteses, conquanto possíveis, são absolutamente improváveis. O mais certo é que o vizinho deliberadamente fez um gato. Só que admitir essa hipótese significa ter que tomar uma providência para cessar a fraude e punir o espertinho. E é isso que o brasileiro evita a todo custo: coibir a malandragem.

Essa leniência com o “torto”, essa tolerância infinita com o erro traduz a frouxidão moral do brasileiro. Por aqui, tudo tem desculpa, tudo é justificável por qualquer argumento absurdo. Ao fim e ao cabo, é essa cultura que autoriza os invasores daquela propriedade privada na SC-401 em Florianópolis continuarem lá bem belos e faceiros, sob o beneplácito do Estado.

Leandro Govinda