quinta-feira, 30 de julho de 2015

O enfrentamento da mediocridade no ensino


A crise da educação brasileira não é segredo para ninguém. Atualmente, já há um consenso de que o sistema de ensino, público e privado, está falido. Há muito se observa a deterioração das relações humanas decorrente da mais pura falta de educação dos sujeitos, que simplesmente não sabem resolver os seus conflitos de maneira civilizada. Agora, o mercado de trabalho começa a sentir também os problemas originários da absoluta incapacidade de a escola e a universidade prepararem o indivíduo para desempenhar ofícios, no mais das vezes, elementares. O que se discute, então, é o que fazer para superar essa crise.

A baixa qualidade do ensino brasileiro pode ser medida pela falta de intimidade dos alunos universitários com a língua materna. Frise-se: universitários! Antes da Copa do Mundo de 2014, o governo federal lançou um programa de proficiência em língua inglesa. Incrível, mas um burocrata em Brasília pensou em ensinar inglês para a estudantada que mal sabe falar português! Difícil imaginar que alguém possa dominar conteúdos de qualquer ciência, mesmo as exatas, quando ignora conceitos e regras elementares da gramática. Falar em “oração”, por exemplo, só tem sentido religioso para grande parte dos alunos. Muitos não sabem que “conserto” e “concerto”, apesar da identidade de pronúncia, são substantivos completamente distintos. A crase, ao que tudo indica, virou coisa dos mais velhos. Pontuação, então, parece que já não é mais ensinada nos bancos escolares. Os modernos meios de comunicação viraram vilões da língua portuguesa. A geração “twitter” diz que se habituou a escrever errado nas redes sociais, porque as mensagens precisam ser curtas e abreviadas. Ora, antigamente também se escrevia pouco e abreviado nos telegramas. Nem por isso os antigos atropelam a língua hoje. Como costumo dizer, para quem dá, desculpa sempre há...

A verdade é que os estudantes se habituaram a não estudar! Nota-se uma preguiça em aprender e uma despreocupação com os resultados. Uma pesquisa da FGV, por exemplo, aponta que, desde 2010, mais da metade dos candidatos foram reprovados no exame nacional da OAB. A nota média no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (ENADE) de Direito, realizado em 2012, foi de apenas 40,8. Apesar desses resultados pífios, os estudantes não parecem preocupados, afinal continuam “estudando” do mesmo modo que os seus antecessores. Bem, se adotam o mesmo método, é improvável que alcancem um resultado diferente. Aparentemente, o que importa mesmo é ganhar o diploma, ainda que esse papel sirva só para enfeitar a parede do quarto no futuro.

A boa notícia é que há solução para enfrentar a crise e a primeira delas passa por reconhecer o problema. Enquanto o professor fingir que ensina, e o aluno, que aprende, não tem como dar certo. É preciso romper esse pacto de mediocridade que assombra as escolas e as universidades e começar a ensinar e avaliar de verdade os estudantes. Sabe-se que muitos alunos têm dificuldades de aprendizado por variadas razões, desde limitações de inteligência, má alimentação e até problemas de violência doméstica e trabalho infantil. Esses alunos precisam de ajuda, sem dúvida, mas a aprovação automática não é o caminho. O pai que bate no filho não vai deixar de agredi-lo porque ele foi aprovado na primeira séria. O piá vai continuar apanhando, agora na segunda série. Na Universidade, a responsabilidade dos professores não é menor. A aprovação sem critérios seguros de avaliação nas faculdades forma aquele médico que esquece a tesoura no estômago do paciente, ou aquele advogado que perde um prazo e arruína a vida do cliente ou um engenheiro que erra grosseiramente a conta e faz desabar um viaduto em construção.

Atualmente, um dos maiores entraves ao crescimento do Brasil é a baixa qualidade da sua mão-de-obra, produto de um sistema educacional que não prepara as pessoas para o mercado de trabalho. Se no passado a preocupação era inserir todas as crianças e os adolescentes na escola e aumentar o número de vagas nas universidades, hoje é preciso aliar esses objetivos à melhora da qualidade do aprendizado. E essa qualidade passa, sem dúvida, por uma revisão dos métodos de ensino e igualmente por uma reformulação do sistema de avaliação nas escolas e nas universidades. Se esse desafio não for encarado e vencido, o país vai continuar patinando.

Em tempo: o signatário entrará em férias e não escreverá ensaios nas próximas quatro semanas.

quinta-feira, 16 de julho de 2015

1808: passado ou presente?


O signatário leu recentemente a obra "1808" do historiador Laurentino Gomes. Não se trata de um lançamento, porquanto a obra foi publicada em 2008. Essa é a primeira de uma série de três estudos sobre os principais acontecimentos que marcaram passagens memoráveis da história do Brasil (depois do primeiro livro, o autor lançou 1822 e 1889, centrados na independência e na proclamação da República, respectivamente). Em 1808, o autor cuida da transferência da corte Portuguesa para o Brasil, ocorrida justamente nesse ano. A par do formidável trabalho de pesquisa, chama a atenção a incrível atualidade de alguns aspectos da política, da economia, da cultura, do comportamento e até do humor nacionais. Uma leitura atenta da obra leva o leitor à conclusão de que os maus hábitos hoje cultivados pelos brasileiros são mais antigos do que a salve rainha e, por isso, tão difíceis de serem mudados, o que explica e muito o nosso estágio de desenvolvimento.

O autor narra, por exemplo, que "o Brasil do começo do século XIX era um país perigosamente indomável, onde brancos, negros, mestiços, índios, senhores e escravos conviviam de forma precária, sem um projeto definido de sociedade ou nação". É impressionante como a sentença é atual, inclusive quando fala em "senhores e escravos", já que, em muitos rincões do país, a escravidão infelizmente ainda é uma realidade, um pouco mais disfarçada, mas ainda existente. Igualmente, passados mais de 200 anos, os sucessivos governos, em todas as esferas da federação, foram incapazes de construir um projeto de sociedade e de nação.

Os relatos dos viajantes há dois séculos retratam uma “colônia preguiçosa e descuidada, sem vocação para o trabalho, viciada por mais de três séculos de produção extrativista”. William John Burchel, botânico inglês, constatava que “aqui a natureza tem feito muita coisa – o homem, nada... os homens continuam a vegetar na escuridão da ignorância e na extrema pobreza, consequência apenas da preguiça”. Como é antiga, pois, a malandragem brasileira!

Essa preguiça e essa aversão ao trabalho sempre foi estimulada. Segundo Laurentino, uma das armas que D. João utilizou para conter os ânimos daqueles que se sentiam invadidos pela corte foi usar a “imagem do rei benigno, que tudo provê e de todos cuida e protege”. A historiadora Maria Odila Leita da Silva Dias, citada pelo autor, pontua que “a corte e o poder real fascinavam-nos como uma verdadeira atração messiânica: era a esperança de socorro de um pai que vem curar as feridas dos filhos”. Figuras como Getúlio Vargas, pai dos pobres, e Lula desempenharam exatamente esse papel de provedor e protetor. E até hoje a grande massa espera desses messias a solução para todos os seus problemas.

Já naquele tempo também o Estado era gigante e povoado de servidores públicos. Conforme o autor, "a corte portuguesa no Brasil era 10 e 15 vezes mais gorda do que a máquina burocrática americana nessa época (1800)". E, tal como hoje, esses sanguessugas "dependiam do erário real ou esperavam do príncipe regente algum benefício...". O embaixador alemão conde Von Flemming, citado na obra, notava que "nenhuma outra corte tem tantos empregados, guarda-roupas, assistentes, servos uniformizados e cocheiros". Nada mais parecido com o cabide de empregos gerado pelas superestruturas de ministérios e secretarias, nos quais se multiplicam como erva daninha os funcionários fantasmas e outros tantos parentes e amigos do rei que ocupam cargos comissionados por indicação de políticos.

A promiscuidade nas relações entre o público e o privado também não é de hoje. Segundo Laurentino, o rei D. João VI dependia das “listas ‘voluntárias’ de doações que os ricos da terra se dispunham alegremente a subscrever, em troca de favores, privilégios e honrarias”. Naquela época, os traficantes de escravos “se destacavam entre os grandes doadores, recompensados com honrarias e títulos de nobreza”. Olha aí o embrião dos esquemas de corrupção que atualmente têm contornos requintados de organização criminosa, a exemplo do mensalão e do petrolão!!!

E o que se dirá da imprensa? Há dois séculos, Hipólito José da Costa, jornalista fundador do Correio Braziliense, era um crítico do governo e defendia ideias liberais. Tanto que o seu jornal era publicado em Londres para fugir da censura local. No entanto, não resistiu aos favores do Rei e, a partir de 1812, “passou a receber uma pensão anual em troca de críticas mais amenas ao governo de D. João”. Quando se observa a fortuna empenhada para custear a propaganda oficial dos governos e das empresas estatais veiculadas em jornais, revistas e emissoras de rádio e TV, vê-se bem que a imprensa continua refém dos afagos governamentais.

Se bem pensado, ao contrário do que sustentam os esquerdistas tapados, a culpa pelo subdesenvolvimento do Brasil não é de impérios estrangeiros dominadores. Os maiores culpados são os próprios brasileiros, que há dois séculos cultivam esses hábitos indolentes e uma personalidade distorcida. São brasileiros de sangue e alma que usurpam a riqueza do país em benefício próprio. Enquanto imperar essa visão míope sobre o valor do trabalho e as funções do Estado, é provável que, daqui a dois séculos, um novo historiador escreva sobre outros fatos marcantes da história do Brasil e a sua obra retratará uma realidade tão atual no futuro quanto a de 1808 hoje.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

Carta de Jesus para Gregorio Duvivier


Prezado Duvivier,

Outro dia reproduziste uma carta que eu teria enviado para um pastor. Fiquei um pouco chateado, especialmente quando afirmas que “sou de esquerda”. Acho que foste tu quem não leu direitinho a minha biografia. Veja bem: entre os maiores expoentes da esquerda estão Lenin, Stalin, Mao Tsé-Tung, Pol Pot e, mais recentemente, Hugo Chavez. Não esqueço o Fidel, mas esse ainda está por aí. As ditaduras esquerdistas desse pessoal foram responsáveis pelo maior genocídio da história da humanidade. Há quem diga que foram assassinados quase cem milhões de indivíduos. Só o Pol Pot matou um quarto dos seus conterrâneos no Camboja. No Brasil, isso seria equivalente a mais ou menos cinquenta milhões de pessoas. Não é pouca gente. Não tenho muito contato com essa turma, afinal eles não vieram para o céu, mas sei que alguns deles são cultuados e adorados até hoje por companheiros.

Eu não sou de esquerda, nem de direita, nem de centro. Aliás, na minha época, essas noções significavam tão somente a posição do corpo. É verdade que eu andava descalço. Fazia isso para provar que uma pessoa não precisa de muito para viver. Eu era desapegado desses bens materiais. Sempre preferi cultivar a força do espírito. Eu andava com os pobres, mas andava com os ricos também. O Lázaro, um homem que nunca passou necessidades, foi um amigão meu. Volta e meia eu sentava à mesa com ele para comer. Nunca julguei alguém por ser rico. Aliás, nunca julguei ninguém. Eu ensinei justamente o contrário: “não julgue para não ser julgado”. Nem os coletores de tributos, que eram tão odiados na minha época (e até hoje, pelo que percebo). Uma vez perguntaram se o povo devia pagar impostos, e eu respondi bem claro: “dai a César o que é de César”.

Eu sempre andei com todo o tipo de gente, sadios e leprosos, mulheres virgens e prostitutas, ricos e pobres, pois acredito que as pessoas são iguais. Sempre foi assim. Agora, a física quântica está provando isso que eu já enxergava há dois mil anos. Antes tarde do que nunca! Ser igual, no entanto, não significa que eu deva cultivar os mesmos hábitos. Respeito as prostitutas, mas nem por isso vendo o meu corpo. Respeito os ricos, mas não almejo acumular riqueza. Respeito os ladrões, mas roubar não serve para mim. Respeito os homossexuais, mas acredito que algumas partes do corpo tem uma função bem definida. Por isso não entendo essa obsessão em querer induzir as pessoas, mesmo as criancinhas, a fazerem o que alguns fazem.

Sugerir que eu defendo uma ideologia responsável por governos ditatoriais, que não respeitam a vida e a liberdade das pessoas é, no mínimo, ofensivo. Logo eu que sempre preguei a compaixão e o respeito ao próximo. A propósito, lembras dos dez mandamentos, aquelas dez regrinhas que o Moisés a muito custo escreveu na pedra? Está lá na minha biografia também. Para facilitar a compreensão, eu resumi em apenas dois: amar a Deus sobre todas as coisas e amar as pessoas como a nós mesmos. Eu escrevi isso porque, na minha cabeça, alguém que ama ao próximo não mata, não estupra, não sequestra e não rouba. O problema é que tem gente que não gosta de gente. Esses matam, estupram, sequestram, roubam e cometem outras barbaridades. Mesmo assim eu ensinei que as pessoas devem perdoar umas às outras, porque todo mundo pode cometer erros.

Agora, perdoar não significa deixar uma ação impune. A ideia de punir também está lá na minha biografia. Há muitos e muitos anos, pessoas foram condenadas sumariamente à pena de morte por afogamento. Foi numa época em que a promiscuidade e a maldade tinham tomado conta do mundo. Veio um dilúvio e matou todo mundo, homens, mulheres e crianças. Só o Noé, a sua família e os animais foram salvos. Eu achei isso um exagero. Como falei, sou contra a matança de pessoas, seja por ordem da esquerda, da direita ou divina. Mas quem sou eu para julgar?

Enfim, eu não vivo mais entre vocês, por isso minha opinião não deve ter lá muita serventia. Mas de qualquer forma aí vai a minha visão: em um mundo ideal, as pessoas que cometem um erro deveriam se arrepender e serem perdoadas, porque o arrependimento regenera a pessoa, e o perdão impede a proliferação do ódio. Esse sistema funciona bem aqui em cima. Agora, vocês aí embaixo não vivem em um mundo ideal. Só se arrepender e ser perdoado não vai funcionar. Vocês vivem em uma sociedade que têm regras jurídicas, que precisam ser respeitadas para que vocês vivam em paz. Quem viola uma regra deve ser punido. Pergunte aos romanos, eles entendem bastante de Direito. Uma regra sem sanção não tem efetividade alguma. A punição é um modo de inibir as pessoas de repetir o erro. Errar é humano, mas o problema é repetir o erro, porque aí já é burrice. E acredite: o ser humano é meio burro.