quarta-feira, 23 de julho de 2014

Não falta mais nada



Advogados que perdem prazos e médicos que esquecem tesouras no estômago dos pacientes são profissionais cada vez mais comuns no mercado brasileiro. Para completar o time de incompetências só faltava engenheiros que não sabem fazer contas. Pois o desabamento de um viaduto em construção em Belo Horizonte indica que a escalação agora está completa.

Ainda não se sabe qual foi a causa do desastre ocorrido em Minas, mas algumas hipóteses já foram aventadas e todas revelam o que todo o mundo já sabe: o sistema de ensino brasileiro está cada dia mais imprestável. A primeira suspeita é de que pode ter havido um erro de cálculo. Mas não é o “cálculo” uma das principais disciplinas das engenharias? Imagino que hoje já existem até softwares capazes de fazerem esses cálculos, mas deve ser preciso alimentar o programa com informações sobre a construção. Se o erro foi mesmo de cálculo, então nem isso o engenheiro soube fazer... Pode ter sido problema de solo. Sim, agora, o problema é o chão. Não sou engenheiro e meus conhecimentos dessa ciência limitam-se àqueles programas que passam na TV a cabo de megaconstruções, mas o estudo do solo não seria a primeira coisa a ser feita antes de começar uma obra? Aparentemente, o engenheiro também faltou a essa aula na faculdade. Finalmente, também se cogita de ausência de fiscalização. De novo, fiscalizar a obra não é responsabilidade do engenheiro, que deve verificar se o pedreiro está colocando a coluna, a viga e o tijolo nos lugares certos? Provavelmente, o engenheiro se formou sem ter sido ensinado sobre as suas responsabilidades profissionais.

A tragédia ocorrida em Belo Horizonte causa tristeza, mas não surpreende. Em um país onde professores apanham de alunos, porque há muito perderam a autoridade de que eram investidos; onde crianças passam de ano sem saber ler ou escrever, porque a estatística é mais importante do que o aprendizado; onde o governo financia o estudo superior de analfabetos funcionais, porque o único requisito de mérito para receber uma bolsa integral é fazer o ENEM e não zerar na redação; onde vender monografias de faculdade virou um filão de mercado, porque centenas, quiçá milhares de acadêmicos, a par da malandragem, não têm preparo suficiente para escrever uma linha de texto coerente e sem erro de crase; onde um presidente da república orgulhava-se por não ter estudado; em um país onde tudo isso é encarado com normalidade, não chega a ser surpresa que, ano após ano, as faculdades despejem no mercado profissionais aventureiros, incompetentes e irresponsáveis.

Até o acidente de Belo Horizonte, tinha a impressão de que a engenharia era o último reduto de ensino de qualidade no Brasil. Agora, nem isso. Pelo sim, pelo não, melhor andar longe das marquises, afinal nunca se sabe quem foi o engenheiro que projetou a estrutura, quem será o médico que atenderá a vítima em caso de acidente e quem será o advogado que a representará em eventual ação de indenização.

Leandro Govinda

quarta-feira, 9 de julho de 2014

Os verdadeiros vexames brasileiros




O Brasil foi derrotado pela Alemanha também no futebol. Uma onda de frustração inundou o solo brasileiro. Tristeza, humilhação, vergonha, fiasco, vexame... Essas foram algumas das expressões que mais se ouviu das pessoas entrevistadas pela imprensa após o jogo. Confesso que não sofri qualquer abalo emocional em razão da desclassificação, mesmo perdendo por incríveis 7 a 1, afinal isso faz parte do jogo. Há muitos outros vexames nacionais, esses sim motivos para entristecer e envergonhar qualquer cidadão brasileiro.

Por exemplo, é triste ver pessoas agonizando e morrendo na fila dos hospitais públicos a espera de atendimento, enquanto o governo “importa” às pressas médicos estrangeiros, porque é incapaz de atrair para os quadros da rede pública profissionais formados aqui. Fiasco é manter interditado por mais de 20 anos o símbolo de uma capital, como é a Ponte Hercílio Luz em Florianópolis, enquanto aguarda a conclusão da sua reforma, porque no Brasil é normal obras públicas não terminarem no prazo, serem mal feitas e ainda com sobrepreço de 10, 20 ou 30%. Humilhação é andar rodeado de cocô nas grandes cidades, inclusive em muitas daquelas que foram sede da Copa do Mundo, porque não há saneamento básico, um serviço que, como o próprio nome informa, é básico. Vergonha é ver milhares de brasileiros voluntariamente se fazerem escravos da Fifa sob o pretexto de aprender a “complexa” tarefa de conferir bilhetes de ingresso nas catracas dos estádios. E no futebol, vexame mesmo é um atleta brasileiro admitir que perdeu propositalmente um pênalti em um jogo decisivo só porque não gostava do técnico, como foi o caso de Roger do Corinthians, reflexo de uma educação que não ensina o mínimo sobre dever e responsabilidade.

Antes mesmo de a seleção brasileira entrar no gramado do Mineirão, o Brasil já perdia de goleada para a Alemanha no PIB, na educação, na saúde, na tecnologia, enfim em todos os aspectos do desenvolvimento humano e material. Incrivelmente, a derrota nesses outros campos não parece incomodar ninguém. Em um país que sofre tantas mazelas, a derrota em uma partida de futebol, que não deixa ninguém mais pobre, não deveria abater tanto os brasileiros. Definitivamente, o Brasil não precisa de um hexacampeonato de futebol. Precisa é de um choque de realidade.

Leandro Govinda

quarta-feira, 2 de julho de 2014

Os milagres da Copa



Os jogos da Copa do Mundo não têm sido marcados apenas pelos gols e pelas belas jogadas dos craques do futebol, mas também pela difusão em escala planetária do famigerado jeitinho brasileiro. Isso se deu por ação dos falsos cadeirantes que, tão logo se acomodaram em seus assentos reservados, “recuperaram” o movimento das pernas e começaram a pular e vibrar efusivamente com o resto da torcida. O flagrante dessas curas extraordinárias, que já são chamadas de “milagres da copa”, foi filmado e postado imediatamente nas redes sociais. Os estrangeiros ficaram surpresos e revoltados, o que é compreensível, já que decerto não estão acostumados com a malandragem nacional. O que não compreendo é a indignação dos nacionais. Explico.

O brasileiro já devia estar acostumado com milagres dessa natureza. Os milagreiros destas terras tupiniquins se revelam muito cedo, já na tenra idade, quando, na escola, reúnem-se em grupos para fazerem trabalhos de aula. É comum observar apenas um colega se empenhando na realização da tarefa. Porém, inexplicavelmente aparece o nome de todos na capa do trabalho! Vai ver aqueles que aparentemente não fizeram nada, na verdade, transferiram seus conhecimentos através de algum processo telepático invisível para os seres humanos comuns. Um milagre, naturalmente! Na atualidade, com a modernização dos recursos tecnológicos, também os trabalhos individuais da escola ou da faculdade surgem prontos misteriosamente na tela do computador depois de alguns cliques no Google. É, sem dúvida, um milagre cibernético! Nas salas de cinemas e teatros não se vê cadeirantes recuperando os movimentos das pernas, mas é incrível como há pessoas pagando meia entrada como estudantes, mesmo não o sendo. Quando menos se espera, essas pessoas sacam de suas bolsas e carteiras uma identidade estudantil. Novamente, só podemos estar diante de um milagre! E o que se dirá daqueles que, apesar de estarem trabalhando, continuam recebendo o seguro desemprego, benefício destinado a amparar os desempregados? É preciso ter fé, muita fé, para fazer brotar esse benefício mensalmente na conta desses crentes. Aliás, certamente é essa fé que anima aqueles que, mesmo gozando de uma perfeita saúde, ficam anos a fio encostados no INSS.

Os exemplos poderiam ser multiplicados, mas bastam esses para demonstrar que os milagres no Brasil acontecem todos os dias aos milhares, quiçá milhões. É o jeitinho brasileiro elevado à condição divina! Aposto como cada um dos estimados leitores, assim como eu, conhece alguém bem próximo que já deu um jeitinho para resolver algum infortúnio ou levar vantagem. No entanto, ninguém fica surpreso, ninguém fica revoltado, ninguém faz protesto contra essas práticas. Ao contrário, o brasileiro até se orgulha dessa malandragem. Essa praga do “jeitinho” está tão arraigada na cultura nacional que cada brasileiro se sente um pouco autorizado a dar um “jeitinho” quando está em apuros. Só que o “jeitinho”, se bem pensado, nada mais é do abrir uma exceção a uma regra. E se todos dão um jeitinho, então, no final das contas, a regra vira exceção, e a exceção vira regra. E é essa permissividade que acaba por legitimar e estimular o descumprimento generalizado de regras elementares de convivência, resultando nessa esculhambação social, onde pessoas saudáveis têm liberdade para adquirirem ingressos destinados a cadeirantes.

Por isso, não adianta se revoltar contra uma atitude reprovável só quando isso repercute nas redes sociais. Para se construir uma sociedade verdadeiramente civilizada, é imperioso ser intolerantes com o “jeitinho” sempre e em qualquer circunstância. Não tem desculpa, não tem exceção. Ser intolerante, no caso, não significa pregar o malandro na cruz. Talvez só desprezá-lo em razão da sua atitude cretina já seria suficiente para, quem sabe, fazê-lo refletir e mudar o seu comportamento. E mais do que condenar o outro, é preciso que cada cidadão pare de dar jeitinho, interrompendo esse ciclo vicioso. Do contrário, estaremos condenados a testemunhar mais e mais milagres todos os dias.

Leandro Govinda