quinta-feira, 30 de agosto de 2018

Licença para atirar

Tempos atrás circulou um vídeo nas redes sociais que mostra um policial chileno disparando contra um indivíduo dentro de um veículo à noite no aeroporto de Santiago, porque o cidadão não respeitou uma ordem de parada e avançou lentamente com o veículo sobre o policial. Na manhã seguinte, o Presidente da República chilena veio a público defender a ação policial. Em seu pronunciamento, o Presidente afirmou de forma "forte e clara": "ninguém tem direito de resistir pela força uma detenção, um controle de trânsito ou um controle de identidade e muito menos pretender atropelar um policial... Chegou a hora de que todos aprendamos a respeitar as nossas autoridades, a respeitar os nossos policiais, porque, quando eles são mais respeitados e mais protegidos, cumprem com maior eficácia seu trabalho de proteger a todos os cidadãos do nosso país". No mesmo sentido, foi a manifestação do congressista chileno Alessandri, segundo o qual, "não há meias tintas, ou se está a favor da autoridade, da ordem e do respeito ou se está contra... se nosso país tirar aos poucos a autoridade do policial, depois não poderemos nos queixar de que ninguém respeita nada e não se pode mais caminhar tranquilos pelas ruas".

Ah...que inveja dos hermanos! No Brasil, enquanto as autoridades brasileiras continuam discutindo se o policial pode ou não atirar contra bandidos, mais quatro militares, dessa vez das forças de intervenção federal no Rio de Janeiro, morreram, três em operação e o quarto em uma emboscada em um bar.

Ao que parece, essas pessoas são incapazes de compreender a extensão dos conflitos que envolvem as organizações criminosas. Não se trata de violência pura e simples. Vive-se nas metrópoles brasileiras uma guerra civil não declarada contra o poder de polícia que ameaça a própria soberania do estado. As favelas transformaram-se em territórios ocupados por esses bandidos nos quais eles reinam como soberanos absolutos, porque fixam as suas leis, cobram os seus tributos, organizam as suas milícias, distribuem serviços públicos, controlam a entrada e a saída das pessoas, estabelecem os seus tribunais de julgamento, aterrorizam e ameaçam a população sob o seu jugo, tudo como se fosse uma nação independente, um país dentro do país. O policial que sobe o morro para combater o crime, em especial o tráfico de drogas, entra em uma batalha e coloca em risco a própria vida para restabelecer a paz e a ordem nessas comunidades dominadas por facções criminosas. Os chefões do tráfico já perceberam que estão em guerra. Por isso, têm a sua disposição um exército de bandidos rigidamente hierarquizados, cegamente obedientes aos altos comandantes e armados com fuzis e metralhadoras, prontos para dispararem contra qualquer um que se coloque contra os seus interesses.

O policial que se depara com um bandido armado tem sim licença para atirar, pois está em uma clara situação de exercício da sua legítima defesa, entendida como o uso moderado dos meios necessários para repelir injusta agressão, atual ou iminente. Ora, iminente é aquilo que está para acontecer. E o delinquente que porta uma arma de fogo representa sem dúvida uma iminente e injusta agressão. Ou alguém acha que esse marginal porta um fuzil para caçar passarinhos? Claro que não. O bandido usa a arma de fogo para matar gente, portanto bandido armado é uma ameaça constante, perene. Por isso, é um disparate afirmar que o policial tem que esperar o bandido atirar primeiro para só então reagir. Se o bandido atira, a agressão passa a ser atual, quiçá letal, e não mais iminente. Só que a legítima defesa não é apenas contra agressão atual; a agressão iminente já justifica a reação defensiva. Então, por que diabos o policial tem que esperar bovinamente ser alvejado por um tiro para só então defender a própria vida? Um cristão lançado aos leões no Coliseu antigo teria mais chances de sobreviver.

A ameaça do motorista chileno era infinitamente menor do que a ameaça dos narcotraficantes dos morros cariocas. As autoridades chilenas defenderam a ação do policial, porque não há mesmo “meias tintas”: ou se respeita a autoridade, ou tudo está perdido. É verdade que a polícia brasileira é a que mais mata no mundo, mas não é menos verdade que os policiais brasileiros são os que mais morrem em combate também. Nessas condições, coibir o exercício da legítima defesa pelo policial, mais do que prestar homenagem ao bandido em detrimento da autoridade do estado, significa lançá-lo covardemente em missões suicidas.



sexta-feira, 17 de agosto de 2018

O país de mentirinha


Nessa semana, encerrou-se o prazo para os pretensos candidatos a cargos públicos nas eleições de outubro registrarem os pedidos de candidatura nos tribunais eleitorais. E o Partido dos Trabalhadores pediu o registro da candidatura de Lula à presidência, mesmo absolutamente consciente de que o seu líder não pode ser candidato, pois foi condenado criminalmente por órgão colegiado da justiça, no caso o Tribunal Regional Federal.

Já é assente que Lula não pode ser candidato, pois a Lei da Ficha Limpa veda a candidatura a cargos eletivos de pessoas condenadas criminalmente em segunda instância. (Um parêntese para explicar aos estrangeiros que foi necessária uma lei para impedir os brasileiros de elegerem e reelegeram por livre e espontânea vontade candidatos corruptos.) Pode-se até discutir se a condenação de Lula foi justa ou injusta, se havia ou não provas, se lhe foi garantido ou não o direito de defesa no curso da ação penal. É indiscutível, porém, que ele foi condenado criminalmente em segunda instância por corrupção e lavagem de dinheiro. O seu julgamento foi transmitido ao vivo pelas emissoras de rádio e de TV para o mundo inteiro. Este fato é inconteste. E é igualmente indiscutível que a lei veda a candidatura de qualquer pessoa nessa condição. Está lá escrito no art. 1º, inciso I, alínea "e", itens 1 e 6, da Lei Complementar n. 64/1990. Trata-se de uma norma de clareza solar, como dizem os juristas. Não há zona cinzenta. É preto ou branco!

Mas é claro que no Brasil tudo é passível de discussão. Ninguém acha nada claro, especialmente as nossas autoridades. Como tudo é discutível, nada é levado a sério.

A ideia dos correligionários de Lula é tentar tapear a justiça eleitoral apresentando as certidões criminais expedidas apenas pela justiça do domicílio do candidato, que, no caso, é cidade de São Bernardo do Campo, no estado de São Paulo. Como a sua condenação é originária do Paraná, a certidão do juízo paulista é negativa. Não sendo do conhecimento do juiz eleitoral a condição de condenado, fica-se na dependência do Ministério Público, de um partido político ou de outro candidato formular uma impugnação noticiando a condição ficha-suja, momento em que se instaura o devido processo legal para se oportunizar a defesa do candidato impugnado.

Porém, no caso de Lula, a sua condenação criminal é fato público e notório. Até os macacos da Amazônia e os jacarés do Pantanal sabem disso. Segundo uma das regras mais comezinhas do processo civil, os fatos públicos e notórios não precisam ser provados. Logo, os Ministros do Tribunal Superior Eleitoral não podem fingir que desconhecem essa obviedade. O que se esperava que fosse feito? Tratando-se de um fato público e notório e considerando-se que a regra é clara, como diz o Arnaldo, era natural que a pretensão de Lula fosse sumariamente rechaçada. A coisa poderia ser resolvida em um parágrafo contendo um silogismo básico: pessoas condenadas criminalmente por órgão colegiado não podem ser candidatas; Lula foi condenado criminalmente pelo Tribunal Regional Federal; logo, Lula não pode ser candidato. Registro negado. Fim da história. Simples assim.

Natural em um país sério. Não no Brasil. Aqui, espera-se uma impugnação, concede-se prazo para a defesa, ouve-se o Ministério Público, realiza-se instrução processual, faz-se julgamentos e blábláblá... Tudo isso para, ao final, chegar-se à conclusão que todo mundo - ministros, advogados, partidos, correligionários e até o próprio candidato - já conhece: Lula não pode concorrer à presidência e a nenhum outro cargo eletivo.

O circo montado em torno do registro da candidatura de Lula é mais um espetáculo farsesco para uma população perplexa diante de autoridades simplesmente incapazes de agirem frente ao óbvio. Trata-se de mais uma prova de que o Brasil é um país de mentirinha.