terça-feira, 4 de dezembro de 2018

Prisões: um mal necessário

Umas das principais promessas de campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro era reduzir os índices de violência e acabar ou, pelo menos, diminuir a sensação de insegurança do cidadão. O tema é complexo, já que são muitas as variáveis que contribuíram para a escalada da violência, como a desestruturação das famílias, o sucateamento das polícias, a piora da educação, o consumo de drogas, entre outros. Porém, o futuro ministro da Justiça, o ex-juiz federal Sergio Moro, parece ter clareza de que o aumento da violência tem relação direta com a impunidade. Por isso, umas das suas primeiras declarações defendeu o aumento do número de vagas nos presídios. Ampliar o sistema carcerário é uma ação fundamental para se combater a violência.

O bandido é igual uma criança pequena. Quem tem filhos sabe como funciona. A criança, desde cedo, começa a testar os seus limites e a paciência dos pais. Se os pais não agem com firmeza para coibir os excessos, a criança desanda a fazer manhas para conseguir realizar os seus desejos, transformando-se em um pequeno ditador doméstico. Por meio da educação, é provável que a criança observe espontaneamente a maior parte das regras que lhe são impostas. Mas se passar dos limites, a consequência é o castigo. Na minha época, cortar a mesada, tirar o sorvete ou impedir o uso do videogame eram meios bastante eficazes para inibir maus comportamentos. Mas o castigo mais temido era, sem dúvida, ser proibido de brincar na rua! Vejam, desde a tenra infância, o ser humano tem pavor de perder a sua liberdade! Pensar em passar o fim de semana “preso” dentro de casa, em especial quando a previsão do tempo anunciava sol e calor, soava como o fim do mundo, temor suficiente para me manter na linha.

Essa coisa de explorar os próprios limites não é um desafio restrito às crianças. Os adultos também tendem a ultrapassar gradativamente os limites impostos pela convivência social para satisfazerem os seus próprios caprichos. Baseado na minha experiência profissional, posso afirmar que o delinquente não ingressa no mundo do crime cometendo infrações graves, mas sim praticando pequenos delitos. À medida que percebe a falta de consequências para o seu ato, o indivíduo se encoraja a praticar outros delitos, aumentando a gravidade da sua conduta conforme aumenta a sua experiência de impunidade. Daí porque a noção de castigo deve acompanhar o ser humano por toda a vida. Por vezes, um castigo não muito severo será suficiente para conter os ímpetos do sujeito. Porém, quando o indivíduo resiste conviver pacificamente com a sociedade, não há alternativas, se não privá-lo da sua liberdade. E aí chega-se em um dos mais graves problemas na segurança pública, que é a falta de vagas nos presídios.

Nas últimas décadas, o quadro de superlotação das cadeias públicas induziu, especialmente o Poder Judiciário, a uma política de desencarceramento de presos para reduzir as tensões e as más condições de habitação dos presídios. Desencarcerar é um eufemismo para uma política que significa simplesmente devolver bandidos ao convívio social. Na gênese, a teoria até era razoável, já que a ideia era soltar os criminosos menos ofensivos para abrir vagas para os mais perigosos. Ocorre que, com o passar tempo, os presídios passaram a abrigar somente os bandidos perigosos. Apesar dessa constatação, a política de desencarcerar continua firme e forte, só que hoje em dia solta-se um assaltante para abrigar um homicida; no outro dia, solta-se o homicida para prender um traficante; no outro, solta-se o traficante para colocar um estuprador; e por aí vai.

Essa política seria o mesmo que o sujeito tirar algumas moedas do cofrinho cheio para colocar outras moedas. Ou, então, expulsar alunos da sala de aula para abrir vaga para outros que estão fora da escola. É como enxugar gelo. O que deveria fazer o poupador que já encheu um cofrinho e deseja continuar poupando ou o administrador da escola lotada? Se ele não for daquele tipo que tropeça na grama e sai pastando, evidentemente irá adquirir um novo cofrinho e ampliar o número de vagas no sistema educacional. Ora, se os presídios estão lotados, salta aos olhos que devolver o bandido ao convívio social não é a solução. Ao contrário, livrar o bandido antes dele cumprir a sua pena só agrava o problema, já que a impunidade estimula a pratica de novos crimes, aumentando o número de clientes do sistema prisional, num círculo vicioso cujo resultado está aí para quem quiser enxergar: bandidos soltos nas ruas e cidadãos de bem presos dentro de casa. É como se o pai colocasse a criança de castigo na rua e ficasse preso dentro de casa. Não faz nenhum sentido.

Argumenta-se que nos últimos anos a violência aumentou na medida em que aumentou também a população carcerária, sugerindo-se maliciosamente que o encarceramento é um fator associado ao aumento, e não à redução, da violência. O argumento é falacioso, porque parte da premissa de que o indivíduo chega no cárcere honesto e, no presídio, se transforma em um criminoso. Se a pessoa está presa é porque, antes, cometeu um crime, ou seja, o criminoso antecede a prisão. Para desespero daqueles que defendem bandidos, a verdade é que o encarceramento é um mal necessário. Enquanto houver pessoas dispostas a cometer crimes, as prisões têm que existir. Isso não significa eliminar outras políticas de combate à violência, como a aplicação de penas alternativas para bandidos menos perigosos. Mas até para que o criminoso sinta-se estimulado a cumprir essas penas ele precisa ter no seu horizonte a expectativa de que, se não cumprir, será privado da sua liberdade.