quarta-feira, 17 de junho de 2015

O empobrecimento espiritual do brasileiro


O escândalo da semana envolve a família Mata Roma, que comandou o Sindicado dos Comerciários do Rio de Janeiro por quase cinco décadas. Parentes contratados como funcionários fantasmas, uso do cartão corporativo para pagar viagens de passeio na terra do Mickey Mouse, desvio de dinheiro para compra de mansões, casas de campo, carros luxuosos, lanchas. É mais uma oportunidade para se fazer uma reflexão a respeito da malandragem cotidiana que pauta o comportamento dos brasileiros.

Na semana passada, foram os médicos do Hospital Universitário de Florianópolis, em Santa Catarina, duas dezenas deles suspeitos de fraudaram o controle de ponto por estarem “trabalhando” em dois lugares ao mesmo tempo, conforme apurou a Polícia Federal na operação batizada sugestivamente de “onipresença”. Antes disso, houve a notícia do escândalo no pagamento de indenizações relativas ao seguro DPVAT, aquele seguro obrigatório cobrado por ocasião do licenciamento anual de veículos. Pessoas que caíram do cavalo no sítio receberam indenizações como se tivessem sofrido um acidente de trânsito. Volta e meia há notícias de fraudes no pagamento de benefícios previdenciários: cidadãos que nunca trabalharam no campo são contemplados com aposentadoria especial; indivíduos que não sofrem de qualquer moléstia se “encostam” no INSS e recebem auxílio doença; mulheres jovens forjam casamentos com senhores de avançada idade para em seguida se tornarem viúvas e pensionistas. O seguro-desemprego é outra fonte inesgotável de esquemas de corrupção envolvendo patrões e empregados que simulam uma demissão, a fim de que o empregado receba o benefício e continue trabalhando informalmente. E por aí vai...

O que há de comum nesses escândalos é que todos foram protagonizados por brasileiros anônimos. Quer dizer, nenhuma dessas fraudes envolveu deputados, senadores, chefes de poder ou ministros, como se viu no mensalão. Tampouco são poderosos empreiteiros ou altos dirigentes de empresas estatais, como se está agora apurando na operação Lava Jato. Não! As fraudes listadas acima envolvem cidadãos comuns, que não têm todo esse poder político ou econômico. São pessoas que simplesmente viram uma oportunidade de se apropriar de um dinheiro fácil, seja público, seja privado, ou desviá-lo em benefício próprio. Esses brasileiros são aqueles que se orgulham de terem dado um jeitinho para obter uma vantagem indevida. E que fazem inveja a outros tantos brasileiros que até tentaram, mas não foram tão “competentes”. Ontologicamente, não há diferença de caráter entre esses cidadãos ditos comuns e aqueles políticos e empreiteiros que fraudam licitações e superfaturam obras públicas. São todos corruptos.

A diferença é apenas o tamanho da vantagem auferida. Enquanto deputados e senadores corruptos se enriquecem com desvio de milhões de reais do orçamento público, a maior parte dos corruptos cotidianos só consegue se locupletar de uma pequena soma. Claro, o desvio é proporcional ao poder que esse indivíduo tem nas mãos. Como se diz, foi o que deu para roubar: um salário de médico para não trabalhar; alguns mil reais para ir a Disney; outros trocados de uma indenização por acidente; uma pensão de salário mínimo; um salário duplo durante os meses de seguro desemprego.... Se fossem eles deputados ou senadores, tivessem eles o poder de aprovar uma emenda para essa ou aquela obra pública, indicarem esse ou aquele amigo para um cargo comissionado, com absoluta certeza seriam tão corruptos e se enriqueceriam tanto quanto os mensaleiros presos.

Apesar de individualmente o proveito parecer pequeno, se forem somados, é provável que a cifra supere em muito o montante desviado, por exemplo, da Petrobrás. Só no Sindicato dos Comerciários fala-se em um rombo de R$ 100 milhões de reais em meia dúzia de anos de corrupção. Na previdência e no seguro-desemprego, é muito difícil calcular o prejuízo aos cofres públicos, mas são também milhões, quiçá bilhões de reais desviados anualmente com essa corrupção cotidiana praticada por brasileiros ditos de bem, pessoas consideradas trabalhadoras e “honestas” por seus familiares, amigos, vizinhos e colegas de trabalho. Na visão dessa gente corrupta, não estão tirando nada de ninguém: estão tirando do governo, do sindicato, do clube, do condomínio, da igreja, como se essas entidades fossem integradas e mantidas por alienígenas. Assim, achando-se estranhos a essas entidades, pensam que podem usurpar a riqueza delas, do mesmo modo que os portugueses faziam com o Brasil colônia. A diferença é que os portugueses, depois de secarem as tetas do além-mar, podiam voltar para a pátria mãe e desfrutar do produto explorado. Já os brasileiros, quando a riqueza acabar, vão para onde? Quem sabe, se a Nasa deixar, servirão de cobaias para povoar o planeta Marte...

O brasileiro “comum” tende a pensar que o problema do país é apenas a corrupção nos salões do governo. Ledo engano. A malandragem que inspira milhões de brasileiros a buscarem rotineiramente vantagens indevidas também empobrece o Brasil. E o empobrecimento não é apenas material. Um povo que só pensa em tirar proveito individual da riqueza produzida coletivamente está condenado a ser para sempre pobre de costumes, de moral e de espírito.