Na última semana, fui acometido
por uma forte gripe e, por razões médicas, precisei repousar alguns dias. Isso
me fez ficar em casa mais tempo do que gostaria, mas a experiência serviu para
avaliar o quão difícil é viver em sociedade, especialmente no Brasil.
Durante esses dias, passei a
maior parte do tempo na cama para tentar repousar. Doce ilusão. O comportamento
de alguns vizinhos simplesmente fez a minha gripe parecer o menor dos males. Desde
as 6h da manhã até quase meia noite, era possível acompanhar a movimentação
intensa no interior dos apartamentos. Andar com sapatos de solado de madeira,
arrastar móveis, bater com força portas e gavetas, derrubar objetos no chão são
só alguns exemplos dos maus hábitos que me atormentaram durante o “repouso”. Incomodado
com aquela situação, saí de casa e bati na porta de alguns vizinhos para tentar
descobrir o responsável pelos ruídos. Mas ninguém admitiu fazer tanto barulho.
Não creio que os vizinhos sejam dissimulados. Eles de fato estão convencidos de
que a agitação diária deles não incomoda ninguém. E isso é o mais triste.
O brasileiro gosta de alardear
que é solidário, que tem compaixão, que é fraterno e blábláblá... Isso é
verdade quando se está diante de uma tragédia, uma calamidade pública ou uma
catástrofe natural. Daí o brasileiro oferece abrigo, vira voluntário, ajuda
desconhecidos, faz correntes, arrecada fundos e mantimentos. Mas quando tudo
está absolutamente normal o brasileiro alimenta um sinistro egoísmo no sentido
de não pensar no impacto dos seus atos na vida das outras pessoas. E, às vezes
sem perceber, ele transforma a vida do outro em um verdadeiro inferno. Assim, no
dia a dia, o brasileiro não se preocupa se a árvore do seu pátio está sujando a
calçada do vizinho; ou se o barulho da sua moto está perturbando as pessoas na
rua; ou se o seu cachorro está sujando a praia. Nada disso é objeto de reflexão
do brasileiro. Importa para ele a sombra da árvore, o prazer de dirigir a moto
e a felicidade do seu cãozinho. Isso é importante para ele e não o bem estar dos
seus concidadãos. O exemplo do cigarro é emblemático: precisou virar lei a
proibição de fumar em recintos fechados, porque espontaneamente poucos fumantes
tinham a decência de não fumar ao lado de pessoas não-fumantes. Precisava uma
lei para isso? Não bastaria o bom senso para perceber o incômodo que a fumaça
gera para a pessoa ao lado?
O brasileiro é tão “umbiguista” que até cunhou um ditado
para salvá-lo de qualquer constrangimento nessas horas: “os incomodados que se
mudem”. Quer dizer, o sujeito faz o que quiser e todo o resto que se exploda. Não é a toa que as delegacias registram milhares de boletins de ocorrência todos os dias sobre as famigeradas “brigas de vizinhos”. Ocorre
que a vida em sociedade exige uma postura menos individualista e mais coletiva.
Só faz sentido viver em sociedade se cada um pensar além do seu umbigo. Aquela irmandade
que aflora em momento de crise deveria pautar a conduta de cada um de nós no
nosso dia a dia através de gestos simples de tolerância, de respeito, de
cordialidade e de gentileza.
Então, fica aqui uma proposta: reservar
alguns minutos do dia para pensar nas próprias atitudes. Pensar nos incômodos, transtornos
ou distúrbios que eventualmente são causados para os vizinhos, colegas de trabalho
ou mesmo um desconhecido. Refletir se um determinado comportamento viola uma regra
de convivência ou compromete a harmonia do ambiente. Tentar imaginar o que
aconteceria se todo mundo se comportasse da mesma maneira. Colocar-se na
posição do outro e avaliar se gostaríamos que alguém agisse do mesmo modo.
Essas reflexões podem nos tornar pessoas melhores e mais sociáveis.
Viver em sociedade não é fácil,
mas fica menos difícil quando as pessoas se ajudam ou, pelo menos, não se
atrapalham.
Leandro Govinda