quarta-feira, 25 de março de 2015

Depois do inverno... o outono!



O inverno de 2013 no Brasil foi marcado por manifestações populares, inicialmente contra o aumento das passagens do transporte coletivo, mas logo infladas por outras tantas bandeiras. Bradou-se pelo fim da corrupção, por mais educação, saúde e segurança, contra a PEC da impunidade. Agora, os desdobramentos da operação Lava Jato e as revelações feitas por réus confessos e colaboradores sobre detalhes do esquema de desvio de recursos na Petrobrás, empresa estatal administrada pelo Governo Federal, esgotaram a paciência do povo, que voltou às ruas às vésperas do outono de 2015 para protestar uma vez mais, dessa vez centrado nos escândalos de corrupção. As manifestações reuniram milhões de pessoas e chamaram a atenção em diversos aspectos.

Primeiro, a espontaneidade da sua organização, mediada pelas redes sociais. Incrível o poder de disseminação da informação através da internet. Essa poderosa ferramenta parece ter livrado o povo da dependência de partidos, sindicatos e associações para se organizar e manifestar o seu pensamento. Aliás, por certo foi justamente o fato de não haver envolvimento dessas agremiações que motivou muitas pessoas a aderirem às manifestações. Essa dissociação pode ser medida pelas vaias recebidas pelo Deputado Federal Paulinho da Força Sindical, quando tentou falar ao microfone em um carro de som na avenida Paulista durante o protesto. Acossado pela multidão, o deputado se viu na constrangedora obrigação de descer do veículo e vazar, como se diz na gíria.


 Outro aspecto a se destacar é o espraiamento das manifestações em todas as regiões do país, ainda que as mais numerosas tenham sido nas regiões sul e sudeste, onde a votação da atual presidente nas últimas eleições não foi expressiva. Isso significa que não é só a “elite branca do sul” que se posiciona contra o achaque dos cofres públicos por políticos, servidores públicos e empreiteiros corruptos, como insistem os integrantes do governo. Aqui em Florianópolis, por exemplo, a diarista do signatário, pessoa de parcos recursos e pouca instrução, também está revoltada com as denúncias que ouve nos noticiários, o que a levou, junto com o seu esposo, para a rua protestar. A indignação é generalizada.


 O movimento também não tem vinculação a uma ideologia. Nas ruas estavam pessoas de esquerda, de direita, de centro e também aquelas para quem essas expressões só têm sentido quando se fala em orientação no espaço. Bonito ver aquela multidão vestindo roupas com cores verde e amarela, em franca associação às cores da bandeira nacional. Isso mostra que a preocupação dos manifestantes é uma só: defender a moralidade pública, a retidão no trato dos negócios do Estado, enfim defender a República do assalto que lhe é dirigido diuturnamente e sem nenhum pudor por pessoas inescrupulosas. O receio de que as manifestações poderiam se transformar em uma aclamação pelo retorno de uma ditadura militar não se confirmou, pois a presença de simpatizantes dessa ideia foi tão insignificante que nem de perto tirou o brilho das passeatas.


 Finalmente, a grandeza do movimento serviu para comprovar que o Brasil ainda está muito longe de ser transformar em uma Venezuela, uma Cuba ou uma Bolívia. Para além da força de instituições como o Ministério Público, o Poder Judiciário e a Imprensa, o país ainda é formado por um povo que, como se viu, não é tão alienado quanto se supunha. Instituições fortes e povo alerta são uma garantia de que não haverá espaço para chavismos por estas bandas.


Em junho de 2013, alardeava-se que o “Gigante acordou”. Logo se viu que esse despertar foi breve, pois em seguida a Copa do Mundo cuidou de ninar o gigante em berço esplêndido. Apesar de já terem sido agendados novos protestos, nada leva a crer que essa nova onda de manifestações não passe disso: uma onda que morre na praia. Mas tudo bem. O Brasil ainda é uma jovem democracia. A construção da cidadania não se dá em um passe de mágica. É um processo lento e contínuo. As manifestações demonstram que esse processo está avançando e esse é o dado mais importante. Basta seguir adiante. Quando menos se espera, o gigante acorda e não dorme mais.

quarta-feira, 11 de março de 2015

O perigoso culto à irresponsabilidade



A morte de um jovem estudante em razão do consumo excessivo de álcool durante uma festa universitária em Bauru/SP foi lamentada na imprensa e nas redes sociais. Outros estudantes foram encaminhados ao hospital em coma alcóolico. Imediatamente, como é costume no Brasil, procurou-se um culpado e exigiu-se das autoridades públicas medidas para evitar tragédias como essa.

Os primeiros a serem lembrados como possíveis culpados foram os pais, que supostamente não ensinaram limites ao filho. Em seguida, a escola, instituição que também deve ter falhado na missão de impedir que o jovem se matasse consumindo bebida. Os organizadores da festa também foram apontados como possíveis responsáveis pela morte, afinal promoveram um evento com bebida liberada, do estilo open bar. As empresas patrocinadoras do evento também foram indicadas como partícipes decisivos da empreitada contra o estudante, já que financiaram o evento. Os amigos do rapaz podem ser culpados igualmente, pois não o detiveram no seu impulso suicida de beber até morrer, literalmente. O fabricante da bebida, esse então, é o maior responsável, já que, sem a maldita “cachaça”, a tragédia não teria acontecido. Até os russos devem ser um pouco culpados, pois, sendo amantes da vodca, estimulam o consumo exagerado dessa bebida a partir do seu mau exemplo.

É incrível, mas poucas pessoas lembraram de culpar apenas o jovem estudante. Descartando-se a hipótese de que ele tenha sido forçado ou coagido de verdade a ingerir a bebida em quantidade excessiva (a ameaça de ser chamado jocosamente de nerd não pode ser considerada uma autêntica coação), não vislumbro outro responsável pela sua morte que não ele próprio. Segundo as apurações preliminares, o rapaz participou por livre e espontânea vontade de uma inusitada “maratona”, uma disputa consistente em ingerir a maior quantidade de álcool em menos tempo. Uma imbelicilidade sob qualquer ponto de vista, tanto de quem participa, quanto de quem organiza, mas nada que surpreenda quem acompanha atentamente a “evolução” da nossa cultura.

Ora, o jovem tinha 23 anos, portanto já não era tão moleque assim; pelo que se sabe não era um débil mental, de modo que não reclamava atenção especial de ninguém e agiu conscientemente; era urbano, universitário, classe média, pelo que se deduz ser informado o suficiente para saber os efeitos e os riscos inerentes ao consumo de bebidas alcoólicas (a doença cardíaca que ignorava possuir só potencializou esses efeitos e riscos). Nesse contexto, a sua morte só pode ser creditada a ele mesmo. O que poderiam fazer as autoridades? Tolher a liberdade de escolha dos jovens proibindo a venda de bebidas em festas universitárias? Quem sabe colocar um fiscal em cada festa para monitorar o consumo de álcool e intervir no caso de haver excessos? Por essa lógica, se alguém morrer em decorrência de doenças ligadas à obesidade, então a solução seria proibir o McDonald’s de vender Big Mac? Não creio que esse seja o caminho. Esse intervencionismo estatal na vida privada pressupõe que os indivíduos não têm discernimento suficiente para fazerem as suas próprias escolhas. Pessoas adultas e mentalmente sadias são dotadas de livre arbítrio e não precisam de uma “babá” para lhes dizer o que é bom e ruim. O que essas pessoas precisam é assumir a responsabilidade pelas suas escolhas.

Mas a nossa cultura parece não admitir que alguém seja responsável por suas decisões. Por aqui, o sujeito é ignorante, porque a escola é excludente e nunca porque lhe faltou vontade de estudar. O sujeito é pobre, porque a burguesia capitalista lhe explora e nunca porque prefere desfrutar do seguro-desemprego ao invés de trabalhar duro e crescer profissionalmente. O sujeito é traficante, porque a sociedade lhe oprime e nunca porque simplesmente escolheu o caminho mais fácil para alcançar uma falsa riqueza. Não se ignora que o meio influencia as decisões do indivíduo, mas, ao fim e ao cabo, a decisão é do indivíduo. Ele e mais ninguém é o responsável pelas suas escolhas e, por isso, deve desfrutar dos benefícios e encarar as pedras que encontrar no caminho que resolveu trilhar.

O caráter suicida do jovem não torna a sua morte menos lamentável. Mas é igualmente lamentável essa constante vitimização do indivíduo, porque essa cultura está formando uma geração de irresponsáveis. Isso é perigoso, uma vez que, não sendo responsável por nada, o sujeito perde o senso de dever, o que o leva a um confortável estado de acomodação. Assim, deitado em berço esplêndido, o indivíduo espera que o melhor lhe aconteça num passe de mágica e, quando isso não ocorre, cobra dos outros a responsabilidade pela sua miséria. Uma sociedade assim está fadada a colher só desgraças, como foi a morte estúpida do jovem universitário de Bauru.